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Conhecimentos prévios sobre a escrita

Autor: Maria de Fátima Cardoso Gomes,

Instituição: Faculdade de Educação da UFMG / Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita-CEALE/ Grupo de Estudos e Pesquisas em Psicologia Histórico-Cultural na Sala de Aula-GEPSA,

A abordagem de conhecimentos prévios sobre a escrita é orientada, neste verbete, pela perspectiva da Psicologia Histórico-cultural, sobretudo a partir de pesquisas de Vigotski e Luria, com crianças de 4 a 7 anos. Esses autores enfatizavam a importância de se investigar para além de como, individualmente, as crianças escrevem, buscando respostas sobre o que leva alguém a escrever algo, mesmo antes de saber escrever. Essa busca conduz aos contextos sociais e coletivos de produção dos conhecimentos prévios sobre a escrita, que são construídos nas vivências socioculturais das crianças.

Assim, a compreensão dos conhecimentos prévios sobre a escrita supõe a atenção dos professores a essas condições de contextualização: o que se escreve, para quem, como, quando, com quais objetivos, ou seja, todas as dimensões que possam afetar alguém e que o levem a escrever algo para outrem. Dessa forma, as crianças apropriam-se do sistema de escrita e de suas funções sociais por meio da observação da escrita em funcionamento e das tentativas de utilizá-la. Elas o fazem pela imitação do outro nas relações interpessoais; as apropriações ocorrem, em cada pessoa, de forma particular e intersubjetiva.

Para que a linguagem escrita historicamente desenvolvida pela humanidade se converta em linguagem escrita das crianças, necessita-se de complexos processos de desenvolvimento infantil; não basta ensinar apenas letras que formam palavras (a escrita), mas a linguagem escrita – concebida, neste referencial, como um sistema especial de símbolos e signos cujo domínio significa uma virada crítica em todo o desenvolvimento cultural das crianças. Assim, segundo Vigotski e Luria, a escrita percorre um caminho, uma gênese que começa muito antes de as crianças entrarem para as escolas. Tem início nos gestos que elas fazem e que ganham sentido nas interações com os outros: “o gesto é a primeira escrita no ar e o signo escrito é o gesto que se fortalece”. Ao mesmo tempo em que desenham, as crianças pequenas fazem gestos e escrevem garatujas para significar seus pensamentos, emoções e ações. Dessa forma, gesto, brincadeira, desenho, rabiscos mediados pela fala constituem momentos diferenciados de um processo unificado de desenvolvimento dos conhecimentos prévios sobre a escrita. Representam, portanto, a pré-história da escrita, porque levam as crianças da prática social da escrita à simbolização da escrita.

Como implicação pedagógica dessa compreensão, decorre que as crianças não precisam adquirir uma prontidão para escrever, como um condicionante prévio para a alfabetização, reduzida a treinos mecânicos e desprovidos de sentido. As crianças precisam, efetivamente, de praticar e produzir significações para a escrita, mesmo antes de aprender a escrever.


Verbetes associados: Apropriação do sistema de escrita alfabética, Cultura escrita, Psicogênese da aquisição da escrita , Sistemas de escrita


Referências bibliográficas:
LURIA, A. R. O desenvolvimento da escrita na criança. In: Vigotski, L. S. et al. Linguagem, desenvolvimento e aprendizado. São Paulo: Ícone/Edusp, 1988.
ROCCO, M. T. F. Acesso ao mundo da escrita: os caminhos paralelos de Luria e Ferreiro. Cadernos de Pesquisa, n. 75, nov. 1990.

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