Conectados com a leitura e a escrita

Projeto em escola do campo no interior de Pernambuco mudou a rotina das aulas e aumentou o interesse dos alunos em aprender


     

Geral • Quarta-feira, 16 de Setembro de 2015, 10:51:00

Por Fernanda Santos

Quando recebeu a notícia, em 2012, de que a Escola Municipal Constâncio Maranhão, em Vitória de Santo Antão (PE), abrigaria o projeto-piloto do programa Escolas Rurais Conectadas no estado, a professora e responsável pela escola, Ligivânia Santos das Neves, levou um susto. Ligivânia, que é pedagoga e atua há oito anos em sala de aula, já havia feito curso de informática e tinha certo conhecimento de tecnologia, mas nunca havia utilizado essa ferramenta em sua prática pedagógica. “O máximo que eu fazia era fotografar as aulas com uma câmera digital para registrar as atividades”, lembra.

O programa é uma parceria da Fundação Telefônica Vivo com prefeituras de diversos municípios brasileiros. Além de levar computadores e conexão de internet 3G para instituições de ensino do campo, o Escolas Rurais Conectadas promove a qualificação dos professores para que eles potencializem suas práticas pedagógicas com a ajuda da tecnologia. Fica a cargo dos municípios a adequação da infraestrutura e o acompanhamento do projeto nas escolas contempladas.

O susto inicial logo se transformou em desafio. Para encará-lo, Ligivânia contou com a ajuda do Núcleo de Tecnologia Municipal (NTM) da prefeitura de Vitória de Santo Antão e dos cursos de formação on-line oferecidos pela Fundação. “Descobri que não precisaria abandonar tudo o que eu fazia, mas que poderia adaptar algumas atividades e criar outras com o auxílio da tecnologia”, conta.


Mãos à obra

Inicialmente, a escola recebeu conexão com a internet e dois laptops. A primeira atividade desenvolvida com as novas ferramentas foi a criação de histórias em quadrinhos. O objetivo era desenvolver a leitura, a escrita e a imaginação dos alunos. Para começar, a professora apresentou o gênero às crianças. Como não havia gibis na escola, ela utilizou um almanaque que reunia várias histórias em quadrinhos. Já com o computador em mãos, os alunos escolhiam imagens e digitavam as falas nos balões. Ao mesmo tempo em que eles produziam as histórias, iam se familiarizando com o novo material: teclado, tela, comandos.

Na época, a escola atendia 16 crianças (hoje são 15), da Educação Infantil ao 5° ano do Ensino Fundamental. Todos ocupavam a mesma sala de aula (a única da escola), característica comum na Educação do Campo. “Foi a minha primeira experiência em uma classe multisseriada e, no início, tinha dificuldade em manter as crianças focadas nas atividades”, lembra Ligivânia. Uma estratégia para contornar essa situação foi dividir a turma em grupos e promover o trabalho em equipe. Assim, os mais velhos ajudavam os mais novos e todos aprendiam no seu ritmo. 

A segunda atividade também teve foco em leitura e escrita. Utilizando o Voki, uma ferramenta virtual gratuita que permite a criação de avatares com pequenas falas, a professora propôs às crianças que soltassem a imaginação e criassem personagens e situações na plataforma. O momento preferido delas era quando ouviam o avatar dizer o que haviam escrito. Muitas vezes, a história era uma brincadeira com um colega, e aí o riso era geral. Como no Voki o texto é lido exatamente como é escrito, ficou mais fácil para as crianças identificarem a separação das palavras, a grafia correta e o uso da pontuação.


Antes e depois

A atividade dos avatares foi realizada no terraço de uma casa vizinha, pois a escola passava por uma reforma nessa época. “Colocava os computadores em cima de um sofá e sentava no chão com as crianças, que iam fazendo as atividades uma de cada vez.” Localizada em um antigo engenho de cana-de-açúcar, a Escola Municipal Constâncio Maranhão tinha estrutura precária, muitas goteiras, lâmpadas queimadas, paredes sujas e apenas uma tomada na sala de aula.

Após a reforma, a instituição ganhou pintura nova, piso de cerâmica, forro de gesso e instalação elétrica adequada para o funcionamento dos computadores que já possuía e para os 15 novos notebooks que chegaram ano passado. Para Ligivânia, além de melhorias no espaço físico, o projeto trouxe outro saldo positivo: visibilidade. “Estamos em uma comunidade pequena e, mesmo assim, muita gente nem sabia da existência da escola. Isso mudou.”

O professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Carlos Augusto Novais vê com muito bons olhos os projetos voltados para a melhoria da educação campesina. “É necessário que se desfaça a ideia de insularidade cultural do campo, oferecendo projetos, seja de formação docente, seja de políticas públicas situadas, que estabeleçam a articulação dos saberes da experiência com aqueles produzidos nas diferentes áreas do conhecimento científico e tecnológico”, ressalta.

O programa Escolas Rurais Conectadas é desenvolvido, atualmente, em quatro das 41 escolas do campo de Vitória de Santo Antão. As atividades envolvem 332 crianças e 15 professores. “Nosso desejo é que a Escola Municipal Constâncio Maranhão seja referência e que essa proposta pedagógica que usa os recursos tecnológicos como ferramenta para potencializar uma educação dinâmica e inovadora seja implantada nas demais escolas do campo do município”, diz a coordenadora do Núcleo de Tecnologia Municipal, Cristiane Santos.

Mesmo não tendo intimidade com a tecnologia antes do projeto, os alunos aprenderam rápido como operar os notebooks e sempre pedem à professora Ligivânia que os utilize nas aulas. Além das atividades, as crianças gostam de se divertir vendo vídeos na internet, e a professora aproveita esses momentos para reforçar o ensino da leitura e da escrita. “Meu atual desafio é mostrar para meus alunos que o computador não serve apenas para o lazer, e sim como uma ferramenta importante de pesquisa e de leitura, que oferece muitas possibilidades”, diz empolgada.