O que é um livro-brinquedo?

Saiba mais sobre esse objeto-livro na entrevista com a pesquisadora Ana Paula Paiva


     

Geral • Quarta-feira, 07 de Agosto de 2013, 15:11:00

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

É pra ler ou pra brincar? Será que uma coisa exclui a outra? Jogando com a relação entre as linguagens verbal, visual e sensorial, estimulando a imaginação literária e a coordenação motora, o livro-brinquedo vem conquistando espaço e público em livrarias e bienais ao redor do mundo. Em junho deste ano, a pesquisadora Ana Paula Mathias de Paiva defendeu a tese chamada “Um livro pode ser tudo e nada: especificidades da linguagem do livro-brinquedo”, que ela vinha desenvolvendo desde 2010. Em entrevista para a equipe de jornalismo do Ceale, ela fala sobre o universo provocador dos livros-brinquedo.

O que define um livro-brinquedo?

É um livro que reúne uma materialidade adaptada a atividades práticas lúdicas e um suporte de leitura afim à proposta de ler brincando. A partir de sua visualidade e às vezes de seu formato, o gênero convida a criança à atividade, à ação direta. Pode se dirigir ao leitor alfabetizado ou ao leitor ainda não-alfabetizado. Além disto, editorialmente o livro-brinquedo lembra o livro-objeto, com uma irrevogável vocação experimental. Sua plasticidade gráfica e artística, performance e tecnologias estão adaptadas a usos de interagir e brincar. O termo é, portanto, aplicado a livros infantojuvenis que chamam ao manuseio direto, a jogos imaginativos, à coordenação motora e a passeios sensoriais-visuais, sem que necessariamente sejam estritamente livros de imagem. O livro-brinquedo ultrapassa a expectativa de condição objetiva linear (e única) da leitura, permite o alcance aos temas desde a abertura convencional à abertura súbita de páginas (em 3D, por exemplo), giros, trilhos e animações. Em sua estrutura gráfica, este gênero apresenta aos leitores temas variados, formatos quase sempre lúdicos e representações narrativas brincantes, destacando lances notáveis, ação visual (interatividade) e a apreciação tanto da forma quanto do seu conteúdo.

Nas livrarias e bienais, o livro-brinquedo vem conquistando público e espaço. É um gênero legitimado pela FNLIJ (Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil) desde os anos 90 no país, assim como é resenhado como categoria literária pela Bibliografia Brasileira de Literatura Infantil e Juvenil da Biblioteca Monteiro Lobato (SP) desde os anos 80. Tudo isso, de modo interdependente, constitui um panorama significativo para a compreensão de uma dinâmica de criação contemporânea e seu alcance – e usufruto – no campo de produção de livros nacionais e internacionais.

O que define se um livro-brinquedo é ou não literário?

O livro-brinquedo (e qualquer outro gênero infantojuvenil) pode ser considerado literário quando coloca em primeiro lugar a linguagem em seus exercícios imaginativos, valorizando traços narrativos e lógicas de construção de sentido não imediatos. Para além disso, ler hoje envolve mudanças, como por exemplo a convergência de meios. Naturalmente, a produção editorial vai tentar acompanhar o que convida à atenção leitora. No entanto, ler continua a ser algo dinâmico e incorporado à vida e às demandas de circulação social. É preciso combater a falta de entendimento da noção de texto/discurso – verbal ou não-verbal – e circular mais pelo país e mundo afora, para expandir a noção editorial global que caracteriza o livro-brinquedo contemporâneo. O que é produzido no Brasil ou traduzido como livro-brinquedo é apenas uma pequena parcela do que representa este gênero de circulação mundial e presença crescente. Ou seja, os lugares por onde as ideias circulam são bem amplos e o livro-brinquedo evidencia algo inusitado: o alcance a um público novo, que inclui bebês. Assim, esse objeto-livro reúne traços de brinquedo e traços que o tornam literário, fazendo circular sentidos e sensações mesmo entre aqueles que estão aprendendo a ter contato com livros.

É possível atribuir um valor literário à maioria dos livros-brinquedo?

Há editoras menores que ainda hoje apostam no livro quebra-cabeça, no livro de tabuleiro ou no livro sonoro de apelo mecanicista ou de texto informativo, investindo mais num passatempo motor do que num suporte de leitura que coloca em primeiro plano a linguagem, seus sentidos, significações, códigos etc. Pode haver mediação no livro-brinquedo, mas ele tem de propiciar a leitura autônoma. Se for muito informativo e denso, pode não funcionar para pequenos leitores sem mediação. Estas produções mais mecanicistas provocam a leitura superficial e o descarte rápido, porque não preenchem a brincadeira de modo satisfatório. Na tese, tratamos estes livros como um vazio editorial. Afinal, só a linguagem organizada não os torna literários. Porém, grande parte dos livros-brinquedo analisados na tese Um livro pode ser tudo e nada atesta que a maioria tem, sim, valor literário. A importância da mediação da leitura começa na seleção ou na circulação por lugares onde o acesso a livros-brinquedo de qualidade literária exista. Esses livros tentam gratificar o leitor-criança que abre e manuseia o livro, validando uma relação com o prazer e a apreciação direta, convidando a ações interlocutórias e a jogos de significação em diversos campos (narrativo, geométrico, numérico, linguístico, espacial, lógico etc) 

O que a introdução do livro-brinquedo no cotidiano de uma criança significa para ela?

Prazer, alegria, recreação, catarse e reconhecimento de um objeto (livro) que pode fazer companhia, divertir e encantar, ao mesmo tempo em que apresenta escrituras, fantasias, cenários, contextos, tecnologias de escrita, jogos, desafios, surpresas e gosto sensorial. Ter acesso ao livro-brinquedo é importante sobretudo na creche e na pré-escola, onde as crianças estão iniciando um gosto pelo objeto-livro ao lado da experiência vivencial com outros objetos cotidianos. Identificado como objeto recreativo, o livro-brinquedo cria experimentos de emoção inicialmente, mas depois passa a ser compreendido como bem cultural, porque imprime expressões de caminhos comunicativos, e então deixa de ser visto só como uma mercadoria.

Como esses livros podem auxiliar na educação formal?

Crianças e livros-brinquedo podem se encontrar espontaneamente. Afinal, quem diria que negar um brinquedo para uma criança é tarefa fácil? Estamos diante de livros que reinventam funções para objetos e que têm capacidade de formar o gosto leitor numa fase de iniciação. Eles são livros atrativos e muito gostosos para o tato. Além disso, brincar articula entendimentos e faz com que nos sintamos vivos e inseridos no mundo. Ler brincando, com formas, imagens, sinalizações de escrituras, texturas e apreciações, propicia um conjunto de práticas, conhecimentos e apropriações úteis para a vida. Na tese, comentamos obras com potencial para captar a atenção infantil e provocar empenho e curiosidade via jogos visuais, interativos e de linguagem. Muitas vezes os professores reclamam da dispersão ou da falta de interesse da classe por leituras. Acredito que as crianças buscam sentido para suas ações. Quando não compreendem significado nas atividades propostas, se enfadam ou se desinteressam.

 

Imagem: Blog da Companhia - http://www.blogdacompanhia.com.br/2010/06/livro-de-brinquedo/