Quando a literatura ensina Matemática

Utilização do acervo literário do Pnaic promove abordagem interdisciplinar e estimula o planejamento por meio da sequência didática


     

Letra A • Quinta-feira, 13 de Agosto de 2015, 15:04:00

Por Poliana Moreira

“É aniversário do caracol! Todos seus amigos vieram para a festa.” Assim começa a história de Superamigos, de Fiona Rempt e Noëlle Smit, que conta as peripécias do aniversariante e de seus convidados durante a comemoração. Esse foi um dos vários livros literários utilizados no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa como ponto de encontro entre a Matemática e a Língua Portuguesa, em 2014. Para a supervisora de Matemática do programa na UFMG Márcia Hauss, a tarefa de partir da literatura para trabalhar conteúdos de cada disciplina pode ser realizada por meio de zooms que são dados em determinados pontos da história. No caso de Superamigos, uma das atividades que Márcia indica é a elaboração de um convite para a festa: “Onde é essa festa? Como eu vou fazer para chegar? Que habilidades os alunos precisam ter para construir esse convite? Tudo isso ajuda a construir atividades cujo objetivo é desenvolver noções de espaço e de localização a partir da sequência didática”, ressalta a supervisora.

A partir de um mergulho na obra literária, o professor pode identificar inúmeros elementos com potencial para inspirar o planejamento de atividades didáticas, alinhando bem o conteúdo do livro, que a criança já terá conhecido em uma primeira leitura, ao conceito a ser trabalhado. “Para trabalhar a Matemática dentro da literatura, é preciso encontrar aspectos matemáticos dentro da história”, comenta Maria Imaculada Marcenes, formadora do Pnaic na UFMG, que aponta o livro Irmãos Gêmeos, de Young So Yoo, como uma boa opção de material que integra Língua Portuguesa e Matemática. “O livro apresenta uma história rica em ideias matemáticas, como larga, muito, mais, pequeno, grande, iguais, mesma, menos, diferentes, muito menos, etc., que, se bem exploradas, colaboram não só para o aumento do vocabulário da criança, mas também para a compreensão dos seus verdadeiros significados matemáticos”, diz. Maria Imaculada também destaca a importância do domínio da linguagem matemática para a leitura: “Para a compreensão significativa de um texto em que termos matemáticos estão presentes, é preciso conhecer o significado desses termos para que a leitura seja plena.”

 

Planejamento em sequência

Para potencializar o trabalho interdisciplinar a partir da literatura, a sequência didática foi o principal instrumento utilizado nas formações do Pnaic. Segundo Márcia Hauss, a sequência didática é um conjunto organizado de atividades com finalidades bem definidas, seja para construir um conceito ou desenvolver uma determinada competência. Nesse sentido, é possível fazer de um livro literário o fio condutor para diferentes atividades, que terão tempo de duração estipulado de acordo com os objetivos que o professor quer alcançar. “Os professores ainda usam muito mais uma sequência que está no livro didático do que uma sequência didática que ele cria. Quando a gente trabalha essa relação da Matemática com a literatura, ela não está no livro didático, então o professor precisa criar. E o Pnaic traz essa forma de trabalhar, em que o professor é autor do processo”, conta Márcia.

Com o trabalho de pesquisa e planejamento, o professor é capaz de trabalhar conceitos e habilidades até mesmo em mais de uma área do conhecimento. Voltando ao exemplo de Superamigos, a formadora do Pnaic na UFMG Neiva Tonelli também apresenta as possibilidades de uma sequência didática em Língua Portuguesa. No campo da leitura, uma das atividades propostas é fazer o levantamento de hipóteses e criar perguntas orais para garantir a compreensão do texto e do vocabulário; na produção de textos, uma das sugestões é produzir um cartão de agradecimento que o caracol enviará para cada convidado; voltando-se à aquisição do sistema de escrita, é possível, dentre outras atividades, trabalhar a separação de sílabas e a identificação da estrutura silábica no nome de alguns dos convidados, como o esquilo, a formiga e o pato.

Sobre a elaboração de uma sequência didática, Neiva Tonelli ressalta que a preparação real do professor é indispensável para que os objetivos pedagógicos sejam cumpridos: “Esse tipo de trabalho só é possível com um planejamento prévio. Por isso, a sequência didática é a melhor ferramenta, já que ela requer uma reflexão. É preciso pensar antes o que eu vou trabalhar na minha sala de aula e amarrar os objetivos que devem ser alcançados. Esse tipo de preparação traz uma maior confiança para o professor”.

 

Sem perder o valor de literatura

É importante que, mesmo com a apropriação dos livros literários para um trabalho interdisciplinar, a leitura deleite continue a ter seu espaço. “Durante toda a vida, a gente fala com os professores dessa leitura por prazer, por fruição, essa leitura sem compromisso”, lembra Neiva Tonelli, que destaca que essa prática tem lugar não apenas nos anos iniciais. A formadora relata que os encontros do Pnaic incorporaram a filosofia e geraram essa consciência entre os orientadores e os professores: “Assim como nós fazíamos aqui nas formações, as orientadoras deveriam fazer lá nas suas cidades. Isso virou uma corrente que foi se alastrando e já virou algo que ficou fixado nas nossas ações. Então, sempre começamos uma aula ou uma palestra lendo alguma coisa de literatura com o objetivo de apreciar aquele texto”, destaca Neiva.