Retrospectiva: História dos métodos de alfabetização 2

Em sua edição de nº 3, o Letra A resgatou o embate entre métodos sintéticos e analíticos e a discussão, forte nos anos 1990, sobre a necessidade ou não de um método


     

Letra A • Segunda-feira, 11 de Maio de 2015, 16:58:00

Analítico x sintético

A querela dos métodos, até a década de 1990, esteve centrada na oposição entre analíticos e sintéticos. Os defensores dos métodos analíticos ou globais os consideravam mais adequados à organização mental das crianças. Isso porque o que é simples para o aprendiz não é a letra, o fonema ou a sílaba. Embora sejam unidades menores, são elementos abstratos, sem valor de comunicação. Já as palavras, frases e textos produzem sentido para as crianças, são elementos com os quais elas já têm contato, antes do início do processo de alfabetização. No entanto, se a habilidade de reconhecer os elementos constitutivos dos textos, sentenças e palavras não for bem desenvolvida, as crianças terão dificuldades em enfrentar novas palavras.

A adesão aos métodos analíticos representa também uma mudança da concepção de alfabetização, que passa a considerar que apenas a decodificação não é suficiente. O desenvolvimento do processo de compreensão de modo relativamente independente da decodificação passa a ser considerado um importante aspecto da alfabetização (veja entrevista especial com Jean Hébrard). Segundo a professora da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo e criadora e supervisora do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (Profa), do Ministério da Educação, Telma Weisz, o professor é responsável por ensinar a língua escrita e também a cultura escrita. "Há uma grande perda, tanto quando se foca na aquisição do sistema de escrita e se abandona a cultura, tanto quando se foca na cultura escrita sem ensinar bem a aquisição do sistema", afirma.

É fato, porém, que os métodos analíticos sempre conviveram com os sintéticos. Na década de 1940, por exemplo, são lançadas as cartilhas Caminho Suave (Caminho Suave Edições, 1948) e a Cartilha Sodré (Cia Editora Nacional, 1940). Ambas trabalham com o método da silabação, num período de ampla defesa dos métodos analíticos por parte dos pesquisadores e dos governos. Uma possível explicação é que o método sintético seria mais fácil de ser aplicado pelo professor, além de atender a real necessidade de trabalhar a relação fonema/grafema, que muitas vezes ficava negligenciada nos métodos globais.

Quanto à aplicação dos métodos analíticos, a professora Francisca Maciel faz um alerta: "às vezes, as sentenças e palavras são usadas apenas como pretexto. Usa-se uma sentença mínima, do tipo 'a macaca é má', mas o objetivo é apenas trabalhar a sílaba 'ma'. Isso não é método analítico", explica. Segundo a professora, se uma palavra é usada simplesmente para extrair uma sílaba e trabalhá-la, o método está muito mais próximo do sintético.


O método fônico

Nas décadas de 1960 a 1980, um método sintético bastante utilizado foi o fônico, que explora os sons, dando ênfase à menor unidade da fala, o fonema, e sua representação na escrita. Dessa forma, mantinha a atenção das crianças totalmente voltada para a decodificação, desprendendo-a da apreensão das idéias. De acordo com a professora da Faculdade de Educação da UFMG pesquisadora do Ceale, Isabel Frade, o fônico traz ainda outros inconvenientes: muitas palavras são escritas de uma forma e pronunciadas de outra (os mineiros falam "tumati" e escrevem "tomate", por exemplo) e um mesmo fonema (ou "som") pode ser representado por várias grafemas (ou "letras"). O fonema /u/ pode ser grafado com "u" (urubu), "o" (pato), ou "l" (mal). Nesses casos, o princípio da correlação som/letra não se aplica.

Ainda hoje são lançadas cartilhas centradas no método fônico. No entanto, Telma Weisz critica a aplicação atual desse método, apesar de descartar a possibilidade de uma volta expressiva do seu uso. "Os materiais que trazem métodos fechados são muito vendáveis, porque são vistos como equipamentos, compostos de passos pré-programados, que o professor aplica, sem assumir posição e sem ter que investir em sua formação", explica


Um “método” atual

A oposição entre sintéticos e analíticos foi substituída pela discussão sobre o uso ou não dos métodos. Esse embate tem reflexos nos materiais didáticos produzidos. "No final da década de 1980 e início dos anos 1990, chegou a ser questionada a possibilidade de se fazerem livros para alfabetizar", conta Isabel Frade. Os educadores trabalhariam, então, com textos diversificados, sempre nos suportes em que circulam na sociedade: bulas, embalagens, publicidade, livros e revistas. Já no final da década de 1990, houve uma volta à defesa dos livros para alfabetização. Esses materiais eram mais semelhantes a livros de leitura, mas traziam pouco trabalho com a relação fonema/grafema. Esse modelo é comum até hoje, porém há uma tendência de os livros tentarem equilibrar o trabalho de compreensão de textos, seus usos sociais e diferentes gêneros textuais, com atividades de leitura e escrita que exploram as relações fonema/grafema.

Apesar disso, segundo Isabel Frade, todos os métodos ditos tradicionais possuem alguns princípios que são permanentes e trazem direções importantes para o ensino da língua escrita. Do método sintético, temos que não se pode deixar de lado o trabalho da relação entre fonema e grafema. Do método global, fica o princípio de que é preciso ensinar a ler e escrever com palavras e textos que são do universo da criança, e que são inicialmente, da sua compreensão. Do método fônico, fica a idéia de que é preciso levar o aluno a dirigir sua atenção à dimensão sonora da linguagem.

Esses princípios permanecem nas didáticas contemporâneas, mas de outra forma. Antigamente, os métodos sintéticos traziam materiais que tinham de ser aplicados abordando-se os fonemas, as sílabas, as letras na mesma seqüência do livro, sem levar em conta questões que surgissem na sala de aula ou que não tivessem a ver com a decodificação. Nos métodos analíticos, tinha-se uma tentativa de trabalhar com o significado, mas também usando materiais pouco autênticos, com textos que traziam uma linguagem artificial, escolhida com a preocupação de que as palavras fossem uma amostra do que devia ser trabalhado. Hoje, muitos professores usam textos da tradição infantil - parlendas, poemas, cantigas - em que são trabalhados tanto os significados, as funções sociais, quanto o desmembramento do texto. Os professores pedem aos alunos, por exemplo, para identificar as palavras, recortar o texto e remontar as frases. Isso também pode ser feito com destaque para o reconhecimento instantâneo e global de palavras, sem exploração das partes. Em outros momentos, as palavras são comparadas com os nomes das crianças, para ver o que têm de igual e de diferente - nesse caso, há o favorecimento da análise da relação fonema/grafema.

A professora Maria Emília Lins e Silva, do Centro de Educação e Linguagem da Universidade Federal de Pernambuco, no entanto, faz uma alerta: o conhecimento dos princípios que organizam os diferentes métodos não pode ser a única base para o estabelecimento de diretrizes metodológicas. "Conhecer o que é a língua escrita, saber como estão organizadas as relações entre fonemas e grafemas no Português, assim como o modo pelo qual a criança se apropria da língua escrita, também são elementos de grande importância para a criação de uma didática da alfabetização," explica.


Princípios gerais, estratégias diversas

A diferença do trabalho metodológico atual para o dos tempos anteriores é que não há padronização de procedimentos nem procedimentos sem teoria: o professor deve conhecer os princípios teóricos que orientam suas escolhas metodológicas, defende o professor da Faculdade de Educação da UFMG e diretor do Ceale, Antônio Augusto Gomes Batista. Também deve saber que os procedimentos a serem utilizados não são "passos". Dessa forma, podem ser trabalhadas parlendas diferentes, em diferentes salas de aula, como também podem ser usados uma música que os alunos trouxeram, um folheto ou uma correspondência que chegou à escola. Assim, as palavras empregadas para trabalhar sílabas, fonemas ou outras unidades relacionadas à análise do sistema alfabético não são previamente estipuladas. Esses recursos vão sendo usados à medida que são necessários e não há distinção clara do que é do método analítico ou global. Para Isabel Frade, o professor tem que entender o porquê de cada procedimento, o momento de usá-lo e qual é o seu sentido atual.

A pesquisadora defende que "a diversidade de estratégias - não uma mistura sem saber por quê - atinge muito mais as crianças do que um caminho único". Isabel Frade afirma ainda que o maior problema da discussão atual sobre uso ou não de métodos é o risco de se cair no "espontaneísmo", que não leva a escola a perceber quais são as metodologias de sucesso. "Essa negação só prejudica os professores, porque o trabalho não tem muita visibilidade e eles não conseguem ter uma linguagem comum para identificar princípios semelhantes que utilizam, que os ajudariam a clarear seu caminho metodológico", garante.

É preciso ter em conta que, com certas crianças, é necessário trabalhar mais determinadas estratégias do que outras. Alguns meninos e meninas, por exemplo, precisam mais de uma estratégia ligada à decifração, porque decoram as palavras e seus significados, mas não conseguem estabelecer a relação letra/som, que ajuda a ler palavras novas. As abordagens metodológicas, então, não devem ser usadas igualmente para todos os conteúdos, em todas as turmas, e, dentro da mesma turma, com todos os alunos. Por isso, Francisca Maciel acrescenta: "é importante que o professor conheça os diferentes métodos, não só como conhecimento histórico, mas para fazer relações com sua prática docente".

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