Retrospectiva: Nada é mais gratificante do que alfabetizar

Há 10 anos era publicada a edição nº 1 do Letra A, com uma conversa inspiradora com a fundadora do Ceale, Magda Soares. Confira a entrevista de 2005.


     

Letra A • Sexta-feira, 17 de Abril de 2015, 16:43:00

Em 50 anos de profissão, ela deu aulas na rede pública, lecionou para "Curso Normal", produziu diversas pesquisas, livros e coleções didáticas e, em 1998, recebeu o título de Professora Emérita da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Magda Becker Soares é uma das maiores referências no Brasil sobre temas ligados à alfabetização e ao letramento. Ela nos recebeu em sua casa. Abriu a porta e reclamou, com bom humor, do convite para a entrevista: "Vocês não me deixam em paz". A autora de Letramento: um tema em três gêneros disse que já está cansada de tanto falar sobre esses assuntos. Porém, logo emendou, sorrindo: "mas o tema não está esgotado de jeito nenhum. Eu é que falo demais... Mas é preciso discutir sempre." A conversa durou quase duas horas. Participaram da entrevista as pesquisadoras do Ceale Aparecida Paiva e Marildes Marinho e a jornalista Sílvia Amélia de Araújo. (Entrevista publicada em abril de 2005)

 

Existem muitas pesquisas sobre o aprendizado da escrita. Os resultados desses trabalhos chegam ao alfabetizador?

Em um país como o nosso, com tanta extensão e diversidade, é impossível dizer se esses resultados chegam "ao professor brasileiro". A certos grupos chegam, a outros, não. Seria necessário que chegassem a todos. Esse é o papel que podem cumprir instrumentos que, como este jornal, buscam atingir o maior número possível de professores...

E o que têm revelado as pesquisas sobre o aprendizado da escrita?

Até os anos 80, as pesquisas na área de alfabetização eram, de certa forma, restritas, porque voltavam-se apenas para a questão metodológica. Toda a discussão se limitava à eficácia ou não de métodos: os analíticos, os sintéticos, o método global, o da palavração, o da silabação...

As pesquisas aumentaram a partir dos anos 80, como decorrência do chamado "Construtivismo", sobretudo pela influência dos estudos e pesquisas de Emilia Ferreiro e de Ana Teberosky sobre o processo de aprendizagem da língua escrita pela criança. Passamos, então, a contar com um número grande de pesquisas, tomando como tema não mais o método de aprendizagem da língua escrita, mas o processo da criança na construção de conceitos sobre a língua escrita. O foco muda do "como ensinar" para o "como a criança aprende". Depois, mais no fim dos anos 80, surgem as pesquisas lingüísticas: foi o momento em que os lingüistas finalmente se deram conta de que alfabetização era problema deles também.

Que contribuição as pesquisas trazem para o trabalho do alfabetizador?

Acho que ainda hoje falta integração entre as pesquisas sobre alfabetização. Cada pesquisador estuda uma faceta do ensino ou do aprendizado da língua escrita, privilegia um dos aspectos do processo. Porém, na sala de aula, na hora de a criança se alfabetizar, acontece tudo junto, todos esses aspectos estão presentes, simultaneamente. O que está faltando, para fins pedagógicos, é uma integração dos resultados das diferentes pesquisas que possibilite a tradução deles numa atuação didática, docente, capaz de orientar a criança no seu aprendizado. Talvez a falta dessa integração de resultados de pesquisas e de sua tradução em uma pedagogia da alfabetização é que explique as dificuldades que estamos enfrentando atualmente na alfabetização.

 Hoje parece que há uma crise do Construtivismo, como se a crítica o considerasse uma teoria que não deu certo...

O Construtivismo não propôs métodos, nem tinha que propor, porque sempre se afirmou como uma teoria psicológica e não como uma teoria pedagógica. Mostra como a criança aprende, não se volta explicitamente para a questão de como o professor deve ensinar. Foi um fenômeno – o chamado "Construtivismo" na alfabetização – que, sob um ponto de vista sociológico, mereceria ser estudado. Foi um movimento que invadiu as escolas de todo o País, e se multiplicaram os cursos para ensinar aos professores o "Construtivismo". Mas o que se ensinava a eles não era como alfabetizar a criança, era como a criança aprendia. Os métodos de alfabetização até então usados passaram a ser negados, com o argumento de que eles ignoravam o processo como a criança aprende. O que é uma verdade apenas parcial.

Costumo dizer que, antes do Construtivismo, os professores alfabetizadores tinham um método e nenhuma teoria. Eles ensinavam pelo global, pelo silábico, pelo fônico, mas as teorias que fundamentam esses métodos não eram discutidas. Eu mesma, quando formava professoras no então chamado Curso Normal, no que dizia respeito à alfabetização, discutia os métodos existentes e como é que se aplicava cada um. O Construtivismo veio negar esses métodos, mas não propôs outro método que os substituísse, trouxe uma teoria sobre a aprendizagem da língua escrita. Assim, antes se tinha um método e nenhuma teoria; depois passou-se a ter uma teoria e nenhum método. Passou-se até a considerar que adotar um método para alfabetizar era pecado mortal. Como se fosse possível ensinar qualquer coisa sem ter método...

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