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Ditado

Autor: Anne-Marie Chartier,

Instituição: Laboratoire de Recherche Historique Rhône-Alpes / École Normale Supérieure de Lyon. França,

Em uma perspectiva histórica, o ditado oral coletivo foi utilizado para ditar textos que os alunos trabalhariam depois em suas casas (textos para traduzir, textos para estudar). Essa foi a origem da prática na França, por exemplo. Em todos os contextos que mantiveram esse legado pedagógico, incluindo o brasileiro, a escola fez desse recurso – transformar um texto oral em texto escrito – um fim em si mesmo, uma atividade didática autônoma, visando ao controle da correção ortográfica, que podia ser verificada imediatamente quando cada palavra era soletrada em voz alta. Ficava fácil, então, contar os erros, dar a cada aluno uma nota e pedir que recopiasse as palavras erradas quantas vezes fossem necessárias. Essa atividade sobreviveu a várias reformas pedagógicas até os dias atuais e esse exercício, apesar de tão modesto, se tornou consagrado na escola primária. Durante um ditado, todos os alunos se calam, escrevem todos sob a vista do professor, estão atentos à sua própria tarefa e a correção que vem logo em seguida permite a cada um verificar o resultado de seu esforço. 

No ditado, como na cópia, o conteúdo dos textos está dado e os alunos podem se concentrar sobre os problemas postos pela ortografia. Este pode ser um momento de aprendizagem útil, não se prestando apenas a um exame de avaliação, quando se torna um exercício modulável aos diferentes níveis dos alunos de uma mesma turma e quando é reinventado pelo professor, a partir de determinadas condições. Para o ditado de palavras com alunos principiantes, um professor pode ditar palavras afixadas, em letras maiúsculas, no quadro, mas numa ordem aleatória, e os alunos que já são mais capazes podem escrever em letras cursivas; outra possibilidade seria o professor começar por um exercício coletivo, sugerindo aos alunos que “guardem na memória” palavras escritas no quadro; depois, ele pede que escrevam individualmente, e quantas puderem, as palavras que ele cobriu ou apagou. Em outra situação, o professor distribui uma fotocópia contendo um texto com “lacunas”, que os alunos completam à medida em que ele lê o texto em voz alta (é preciso, portanto, que o aluno o acompanhe) e pode ajustar o nível de dificuldade, colocando cinco lacunas para alguns alunos, dez para outros, ou mesmo mais, para os alunos mais avançados. A escolha de palavras varia, é claro, em função do trabalho que foi feito na turma: o vocabulário será aquele que já foi escutado, lido, copiado e o professor pode escolher categorias diferentes de palavras para cada exercício.

Podem ser usadas as mesmas variantes para os ditados de frases ou de textos, nos quais o professor modula a extensão em dois ou três níveis, em função das capacidades dos alunos. Em todos os níveis, ele pode recorrer ao autoditado: os alunos que aprenderam um texto de cor, depois de múltiplas releituras, são solicitados a escrevê-lo em silêncio, registrando o máximo que puderem num tempo pré-estabelecido. As variantes são inúmeras, mas permanece a estabilidade do dispositivo: um tempo de passagem do oral ao escrito, mobilizando cada um para fazer sua própria tarefa de escrita, enquanto o professor pode circular pela sala, percebendo as dificuldades de execução que não tinha antecipado e podendo, consequentemente, modular a ajuda individual que presta aos alunos.


Verbetes associados: Atividade didática, Convenções da escrita, Cópia, Ortografia


Referências bibliográficas:
CHARTIER, A.-M. Ensinar a ler e escrever, entre teoria e prática. Disponível em: revistaescola.abril.com.br/pdf/texto-anne-marie-chartier.pdf‎. Acesso em: 08/08/2014.
CHARTIER, A.-M. Práticas de leitura e escrita. História e atualidade. Belo Horizonte: CEALE/Autêntica. 2007
TEBEROSKY, A. Aprendendo a escrever: perspectivas psicológicas e implicações educacionais. São Paulo: Ática, 1994.

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