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Leitura silenciosa

Autor: Ana Maria de Oliveira Galvão,

Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG / Faculdade de Educação / Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação-GEPHE,

A leitura silenciosa é a que se faz visualmente, sem o uso da voz. Embora muitas vezes pensemos que esse tipo de leitura nasceu com o advento da escrita, ele é relativamente recente na história humana. Segundo Roger Chartier, a sua existência só foi possível graças ao trabalho dos escribas irlandeses e anglo-saxões que, na Alta Idade Média, introduziram, nas frases, a separação entre as palavras. Assim, não era mais preciso vocalizar, dizer o escrito e nele recuperar a expressividade da fala, para compreender o que se lia. Mas foi somente a partir do século XII, aproximadamente, que esse modo de ler deixou de estar circunscrito aos copistas monásticos e chegou às escolas e às universidades.

Um tempo ainda maior foi preciso para que a leitura silenciosa se disseminasse mais amplamente. A expansão da produção de impressos (como jornais, folhetins, romances, revistas, almanaques) e o surgimento de um novo público leitor, formado a partir da expansão dos sistemas públicos de ensino, favoreceram, no século XIX, a difusão da leitura silenciosa e solitária. Por meio dela, era possível ler mais, em menos tempo, ou seja, era possível ler de maneira extensiva. Ao mesmo tempo, esse modo de ler foi, muitas vezes, associado à superficialidade, à rapidez, à avidez, ao vício. Por permitir o contato direto entre o leitor e o texto e favorecer a livre interpretação, foi acusado de perigoso. As mulheres e os indivíduos de meios populares foram particularmente objeto de preocupação: como poderiam ler sem controle, sem um guia autorizado que lhes dissesse quais eram as boas e as más leituras? Como evitar que os livros se tornassem fontes de devaneios, de frivolidades, de ideias subversivas?

Talvez por também compartilhar essas preocupações, a escola demorou a incorporar em suas práticas cotidianas a leitura silenciosa. Foi somente com o movimento da Escola Nova, em meados do século XX, que ela se tornou recomendada por educadores. Para os escolanovistas, esse modo de ler permitia uma postura mais ativa e crítica do leitor diante do texto, visto que dispensava a mediação de um terceiro – em geral, o professor – na tarefa de interpretação do que era lido.

Mesmo assim, houve muitas resistências à presença da leitura silenciosa na escola, principalmente pelo fato de que os sentidos escapam ao controle do professor – principalmente quando os textos são literários – e não é possível avaliar aspectos da leitura oral, como a entonação, a pontuação e a impostação da voz. No entanto, a prática da leitura silenciosa no cotidiano escolar é extremamente relevante para a formação de leitores competentes, críticos e capazes de participar do mundo da cultura escrita de modo mais autônomo, na medida em que é esse tipo de leitura que predomina na maioria das instâncias sociais, nas sociedades contemporâneas. Nesse sentido, professores têm criado estratégias para que os alunos, diante da diversidade de gêneros textuais com os quais se deparam diariamente, aprendam a localizar informações, fazer inferências, interpretar e posicionar-se diante de textos distintos. Mas é importante também, sobretudo para o caso da leitura literária, que os alunos tenham, no cotidiano escolar – na sala de aula, na biblioteca ou no pátio –, tempo livre para fazê-la silenciosamente, cada um no seu ritmo. Esse tipo de atividade é mais interessante quando os alunos já sabem ler, mas mesmo para as crianças que ainda não se alfabetizaram, é importante que elas tenham momentos a sós com os diferentes textos, para que, além de formularem hipóteses sobre o sistema de escrita, possam imaginar sentidos que ainda são (quase) secretos.


Verbetes associados: Compreensão leitora, Gêneros e tipos textuais, Leitura em voz alta, Leitura extensiva, Leitura intensiva, Leitura literária, Modos de ler na infância, Práticas de leitura


Referências bibliográficas:
CHARTIER, R. Do códice ao monitor: a trajetória do escrito. Estudos Avançados, São Paulo, v. 8, n. 21, Ago. 1994.

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