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Literatura e Diversidade Cultural

Autor: Aracy Alves Martins,

Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG / Faculdade de Educação / Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita-CEALE,

Se buscarmos, nos dicionários mais utilizados no Brasil, definições para a expressão “diversidade cultural”, encontraremos, primeiramente, significados para o termo diversidade, no campo semântico de diverso, plural, múltiplo, no sentido de várias possibilidades, facetas. Por esse ponto de vista, cada ser humano ou cada grupo busca sua identidade, distinguindo-se em função das riquezas da sua singularidade. Entretanto, nos próprios verbetes, outros sentidos são atribuídos, certamente em decorrência das interações humanas: além de considerarem diversidade como sinônimo de diferença, acrescentam significados negativos: dessemelhança, desarmonia, divergência.

       Alguns autores se perguntam, pensando numa pluralidade de culturas, nas relações horizontais entre os povos, mediante as hierarquias estabelecidas pelo poder que uns pretendem exercer sobre os outros: que grupo tem o direito de definir, em lugar dos outros, aquilo que deve ser significativo para eles? Outros defendem, mediante o poderio do pensamento do homem branco europeu dominante no mundo, a possibilidade de questionar essa branquidade normativa e valorizar as relações sul/sul, entre países chamados de periferia, como produtivas e enriquecedoras para a humanidade.

       A escola, no Brasil, procura atender às leis que pretendem assegurar direitos, por exemplo, a duas etnias que constituem o povo brasileiro: como resultado da luta histórica de movimentos sociais, ao longo das décadas, a Lei 10.639/2003 busca valorizar a contribuição dos africanos, enquanto a Lei 11.645/2008 inclui os indígenas, tornando obrigatório, em todas as escolas públicas e particulares, de Ensino Fundamental e Médio, em todo o país, o estudo da história e da cultura dessas duas etnias, sobretudo nos campos da História, da Arte e da Literatura.

       A partir dessas datas, os processos de formação de professores passaram a demandar produções que pudessem atingir crianças e jovens, considerando, pelo ponto de vista do letramento literário, que os conceitos básicos para a vida democrática - mas, também, os preconceitos - são aprendidos na infância, com os pais, com seus pares, na escola, na comunicação de massa, na interação em sociedades multiétnicas, e também a partir da literatura, sobretudo aquela voltada para crianças e jovens. Por isso, recentemente, algumas produções dessa literatura têm buscado a riqueza de novos protagonismos, tanto na história como na ficção. Assim, explodem produções editoriais não somente sobre mitos, contos e lendas africanos e indígenas, histórias de sofrimento como a de Zumbi, mas também de personagens felizes, no processo de construção sócio-histórico-cultural de sua autoestima.

       Para outras chamadas minorias, como o sexo feminino, a homossexualidade, a velhice, a juventude, a infância, a obesidade, pessoas com deficiência motora, mental, visual, auditiva, entre muitos outros, também se buscam melhores condições e tratamento digno. Obras há que trazem a ideia do homem que chora e de que o choro às vezes deixa a gente mais homem, ou livros que admitem que Meninos podem ser frágeis / Meninas podem ser fortes. Isso ocorre desde cedo, nas práticas de alfabetização e letramento, muitas vezes apenas com narrativas visuais que nos mostram que a criança não tem preconceito, como no livro em que, enquanto as mães de etnias diferentes se estranham, as crianças entre si descobrem outros encantos. Criança assim, gente miúda, que pensa graúdo, vai crescendo saudável, respeitando o outro e suas diferenças, considerando que crescer é descobrir um vasto mundo de Raimundos e Raimundas /Antônias e Antônios, e Bandeiras e Machados e Rosas. E Clarices […]. Mundo de Constanças e inconstâncias e de Pedros e de pedras no caminho.

           Por todas essas razões, as perguntas continuam em busca de vivências humanas em que se possa constatar que diversidade não é demérito, que diferença não é deficiência.


Verbetes associados: Bebetecas (bibliotecas para a primeira infância), Comunidades de leitores, Contação de histórias, Gêneros literários para crianças, Letramento Literário, Letramento visual, Literatura Indígena , Políticas públicas de leitura literária


Referências bibliográficas:
MARTINS, A. A.; BELMIRO, C. A. Quem é Protagonista? Relações Étnico-raciais em Livros para Crianças In: MACHADO, M. Z. V. A criança e a leitura literária: livros, espaços, mediações. v. 1. Curitiba: Editora Positivo, 2012. p. 37-63.
MARTINS, A. A.; GOMES, N. L. Literatura infantil/juvenil e diversidade: a produção literária atual. In: PAIVA, A.; MACIEL, F.; COSSON, R. (Coords.). Literatura: ensino fundamental. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2010. 204 p.: il. (Coleção Explorando o Ensino; v. 20), p. 143-170.
PAULINO, Graça. Letramento Literário: cânones estéticos e cânones escolares. Caxambu-MG: ANPED. Texto eletrônico, 1999.
SILVA, P. V. B.; ROSEMBERG, F. Brasil: lugares de negros e brancos na mídia. In: VAN DIJK, T. A. Racismo e discurso na América Latina. São Paulo: Contexto, 2008.

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