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Neoleitor

Autor: Jane Paiva,

Instituição: Universidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ / Faculdade de Educação e Programa de Pós-graduação em Educação,

Neoleitornovo (neo) leitor. O que inicia na cultura escrita seu processo de leitura,  em qualquer sistema de escrita; o que começa a ler. Sujeito de um processo de formação que não dissocia o aprender a ler do aprender a ser leitor; sujeito complexamente imbricado nos processos de apreensão e atribuição de sentidos a conhecimentos da vida sociocultural em sociedades grafocêntricas. Usado para designar novos leitores jovens, adultos e idosos que trazem para a relação com o texto suas experiências de vida e de mundo, entretecendo sentidos para o que leem, porque potentes e potenciais artífices.

Consideram-se neoleitores todos os sujeitos da fase formal da alfabetização ou de processos informais de aprendizado da leitura que se expõem a múltiplas formas de leitura em todos os espaços e estímulos sociais. Alfabetizandos muitas vezes não se admitem como neoleitores; e os segundos destituem de propriedade e de sentido o que não seja, em princípio, ato decorrente de leitura de materiais autorizados pela escola/classe — julgando serem só estes os textos em que se lê. Em sociedades complexas, em que tudo se organiza pelo escrito e em torno dele, todos os sujeitos são atravessados pela cultura escrita, e por isso produzem táticas para mover-se nos espaços sociais, mesmo “sem saber ler”. Criam sistemas de significação, apreendem e ressignificam outras linguagens, presentes em imagens, sinais, símbolos, gestos, sons.

Na escola, em geral, aprendizagens de sentido produzidas na “leitura de mundo” são abandonadas. Mas não bastam só estas linguagens: é preciso ler e escrever a outra, organizadora de tempos e espaços sociais, e constituidora de poder. Historicamente, esse não saber circunscreve-se à problemática de jovens e adultos não alfabetizados e/ou semiescolarizados; na atualidade, estende-se a adolescentes que já passaram pela escola, e cujas práticas sociais e culturais incluem variações de textos, de temas, de gêneros, em inúmeros suportes da escrita que inundam o universo virtual.

Um leitor se forma ao longo da vida, em interação constante com o universo natural, cultural e social em que vive. Práticas de leitura, como atos culturais, portanto, não se esgotam na educação formal. Como modo de conhecimento, exigem relação constante com o leitor, da mesma forma que a leitura de mundo. Não há supremacia entre o modo de leitura privilegiado pelas classes dominantes e o que fazem as classes populares. Ambos usam inúmeras leituras, mas o lugar da utilidade parece distinguir-se do lugar da fruição. Em jogo está a ausência de democratização do acesso a instrumentos de conhecimento, a bens culturais, a lugares em que são acessados.

Concepções de literatura e educação são diversas, mas ambas compartilham natureza formativa: a leitura literária, (con)vivendo no dia a dia da escola com a formação de neoleitores, complementa a literatura oral, marcada em muitas classes de jovens e adultos, em que o lúdico também está presente, assim como a ambiguidade. Jovens e adultos, ao apreenderem expressões da linguagem escrita – objeto de novos conhecimentos tardiamente oferecidos e antecipadamente vividos pela alegria de abandonar o mundo e o estigma de analfabeto – vivem um ritual de passagem da condição de alfabetizandos para o reconhecimento como neoleitores.


Verbetes associados: Alfabetização, Cultura escrita, Leitura , Leitura literária, Linguagem, Literatura oral, Práticas de leitura , Suportes da escrita


Referências bibliográficas:
BRASIL. MEC/TV Escola. Salto para o Futuro. Série Literatura e Neoleitor. Ano XX boletim 08 – jul. 2010. Disponível em: http://www.tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/10273208-LiteraturaNeoleitor.pdf .
CADEMARTORI, L. Literatura para todos: conversa com educadores. 1.ed. Brasília: MEC/SECAD, 2006. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=50065 .
FREIRE, P. A importância do ato de ler em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados / Cortez, 2005. (Coleção Polêmicas do nosso tempo).
ORLANDI, E. P. Discurso e leitura. São Paulo: Cortez, 1987.

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