Com quais recursos se alfabetiza remotamente?

Troca de Ideias | Letra A 55


     

Letra A • Terça-feira, 01 de Março de 2022, 22:05:00

 
Mônica Daisy Vieira Araújo – Professora da Faculdade de Educação da UFMG e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Cultura Escrita Digital (Nepced/Ceale/FaE/UFMG)
 
Neste contexto de ensino remoto emergencial que estamos vivendo com a pandemia da Covid-19, a escola necessita se reinventar para promover o processo de alfabetização. Um dos maiores desafios é o(a) professor(a) alfabetizador(a) conseguir mediar a aprendizagem sem estar fisicamente ao lado da criança e acompanhar as demandas de desenvolvimento da compreensão do sistema de escrita alfabética para criar ações didáticas que atendam a essas necessidades. Nesse sentido, a escolha dos recursos pedagógicos mais apropriados para serem utilizados nesse contexto irá impactar diretamente na aprendizagem das crianças. Por elas estarem aprendendo a aprender, ou seja, construindo a autonomia do seu processo de aprendizagem, as crianças necessitam muito mais, nessa faixa etária, de atividades que promovam o engajamento.  
 
A tecnologia digital pode auxiliar a alfabetização em contexto remoto por meio do uso de ambientes digitais, como o aplicativo de mensagens WhatsApp, plataformas de compartilhamento de vídeos, como o Youtube, o site de buscas Google, e dos gêneros textuais digitais, como os memes, as animações, os jogos digitais, a literatura digitalizada. Utilizar esses recursos que são práticas de leitura e escrita reais vivenciadas por essas crianças, desde muito pequenas, pode favorecer o engajamento e aproximar as crianças do(a) professor(a) alfabetizador(a) e da turma.  
 
O uso do smartphone dos pais ou do smartphone próprio, que muitas crianças no Brasil já possuem, segundo dados de pesquisas nacionais, pode servir para a criação de vídeos e de áudios das atividades realizadas no espaço doméstico e possibilitar ao(a) professor(a) alfabetizador(a) acompanhar o desenvolvimento da apropriação do sistema de escrita alfabética das crianças em contexto de ensino remoto. Assim também o(a) professor(a) alfabetizador(a) pode criar vídeos e áudios com atividades de alfabetização e postar no grupo de WhatsApp da turma, nos casos de aulas totalmente remotas. Acredito ser um desafio, mas é possível conseguir alfabetizar letrando, em contexto de ensino remoto, utilizando recursos digitais usados pelas crianças no espaço doméstico.
 
Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo – Professora do Departamento de Educação da UFSJ, coordenadora da Alfabetização em Rede e líder do Grupo de Pesquisa em Alfabetização, Linguagem e Colonialidade
 
Em junho de 2020, foi criada a ALFABETIZAÇÃO EM REDE, envolvendo mais de 100 pesquisadoras da área de alfabetização de 29 universidades, em 18 estados e em todas as regiões do país. Temos produzido dados quantitativos e qualitativos sobre a alfabetização na pandemia da Covid-19, parte deles já publicados pela Revista Brasileira de Alfabetização. Com base nesses dados, identificamos diferentes aspectos que envolvem ensino remoto da leitura e da escrita, o que destacamos a seguir. 
 
O ensino tem-se dado predominantemente pelo uso do aplicativo WhatsApp. As professoras indicaram, nos grupos focais desenvolvidos na pesquisa, que essa foi uma orientação das suas redes e não uma decisão individual. O aplicativo é considerado a forma mais rápida e eficaz de comunicação da escola com as famílias pelo baixo custo e acessibilidade às camadas populares. Entretanto, são vários os elementos envolvidos nesse processo. As professoras realizam o planejamento semanal enviando na segunda-feira as imagens e/ou vídeos das atividades a serem desenvolvidas durante a semana. São enviadas orientações às crianças em áudio ou em vídeos curtos para a realização das atividades. Os pais são responsáveis por acompanhar essa realização e isso traz uma série de complicadores. 
 
O primeiro deles é a necessidade que as alfabetizadoras têm de explicar essas atividades numa linguagem que seja compreensível para as famílias e, em muitos casos, um grupo paralelo com as famílias é criado apenas para esse fim. Um segundo elemento é o fato de que, aproximadamente, 30% dos alunos não retornam as atividades. As razões são várias, sendo a principal o acesso à internet e a aparelhos de celular potentes. A falta de tempo da família em fazer o acompanhamento também está incluída nas razões, uma vez que a grande maioria é da classe trabalhadora. As atividades enviadas são variadas e envolvem desde aquelas focadas no sistema de escrita até vídeos com contação de histórias captados da internet e/ou produzidos pelas docentes. Para os alunos que não têm acesso à internet (a maioria da zona rural) são enviadas atividades impressas entregues semanalmente nas casas das crianças – é o caso da cidade de Araripe, no Ceará. Essas atividades são entregues por monitores ou disponibilizadas na escola para que as famílias recolham. As alfabetizadoras recebem o retorno dessas atividades por meio de fotocópias feitas pelos monitores e enviadas pelo WhatsApp. Podemos afirmar, com base na voz das docentes, que é praticamente impossível saber se as crianças estão de fato aprendendo, uma vez que a interação real é com as famílias e não com elas.