Entrevista: O aprendizado pelos games (2)

Lynn Rosalina Gama Alves, professora da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e coordenadora do grupo de pesquisa Comunidades Virtuais, fala ao Letra A


     

Letra A • Sexta-feira, 15 de Maio de 2015, 15:30:00

As crianças e os adolescentes percebem o caráter educativo dos jogos?

Se o jogo não for educativo, não. Quando você pergunta para os alunos o que eles aprendem com o jogo, eles pensam muito e dizem que aprendem inglês. É o que conseguem dizer. Isso expressa a falta do olhar crítico. As crianças e os adolescentes não conseguem perceber, por exemplo, que o fato de planejar e trabalhar com diferentes pontos de vista é aprendizagem. Não conseguem perceber que, ao tomar decisões, estão trabalhando funções e habilidades cognitivas. Se o jogo tem um conteúdo sobre guerra, eles até sabem que o conteúdo é sobre esse tema, mas não pensam inicialmente que isso será bom para sua aprendizagem. A minha hipótese é a de que os alunos relacionam a aprendizagem à questão escolar e, como não veem uma aplicação disso na escola, acreditam que não aprendem nada. Para muita gente, aprender tem a ver com escola: “se isso não serve para a escola, então não é aprendizagem”. Mas, se o professor cria um espaço para dar voz a esses sujeitos, para possibilitar que eles pensem e critiquem determinadas coisas, vai ser interessante para os alunos perceberem que jogando também se aprende.

Muito se discute hoje sobre malefícios que os jogos trazem às crianças e aos adolescentes, como o estímulo à violência. Como os pais e professores podem intervir nessas situações?

A ideia negativa dos jogos predomina porque constantemente a gente vê notícias na mídia que abordam, de forma maniqueísta, a relação com os jogos. Essa ideia predomina também na medida em que se tem pouca interação dos pais e dos professores com o ambiente dos jogos. Como não conhecem, acreditam no que ouvem de notícia. Além disso, existem jogos que não são recomendáveis para crianças. Por exemplo, o jogo Grand Theft Auto (GTA) eu acho que uma criança não deve jogar.

Existe uma censura para os jogos, que deve ser relativizada. Uma família pode decidir que aquele produto é bom para a criança e outra família pode decidir que o mesmo produto não é bom, porque tem a ver com os valores e a forma como a família se constitui. O importante é que os pais e a escola, principalmente os pais, estejam próximos dessa interação, que escutem e observem o que os meninos fazem enquanto jogam e como eles compreendem aquele conteúdo. Na medida em que os pais fazem esse movimento e passam a ouvir, eles mesmos podem triar o que é bom e o que não é bom para o filho. Se os pais não conhecem o jogo, também podem entrar no site do Ministério da Justiça, pois está lá a classificação indicativa. Se não foi suficiente, podem ir ao site, ver a jogabilidade e pensar: “Isso é legal para o meu filho” ou “Isso não é legal para o meu filho”. É importante atentar para os conteúdos de acordo com o nível de desenvolvimento da criança e do adolescente. Isso é fundamental para construir um olhar diferenciado para essas mídias. Na escola, voltando ao caso do GTA, o professor pode discutir com os meninos de que forma eles estão compreendendo a inversão de valores desse jogo e o que pensam disso. Até quando os conteúdos não são politicamente corretos, é possível levar para a sala para polarizar e discutir.

O grupo de pesquisa Comunidades Virtuais já desenvolveu 11 jogos. Dentre esses, nove são educativos. Quais as premissas para a criação de um jogo educativo?

A primeira premissa é a de que o jogo se constitua em um espaço de aprendizagem lúdico e prazeroso. A primeira grande ideia é preservar o essencial do jogo: ser divertido. A grande crítica, quando crianças e adolescentes falam dos jogos educativos, é que os acham enfadonhos e chatos. O povo acha que, porque é educativo, deve ter só conteúdo, deve ser igual ao que a escola faz.

A segunda premissa é pensar como construir uma narrativa que articule os conceitos que se quer trabalhar de forma que esse jogador se sinta interator do processo. A outra perspectiva é tentar identificar como o sujeito aprende nesse ambiente. A criação da narrativa e dos minigames tem o objetivo de favorecer, de potencializar e de estimular a construção de determinados conceitos. Não só conceitos escolares, mas também relacionados a outras habilidades cognitivas.

Atualmente, não temos no Brasil bons jogos educativos; existem aqueles que fazem essa tentativa. Eu percebo que alguns jogos não têm uma narrativa muito complexa, que conta uma história com início, meio e fim. Nesses jogos que temos, o sujeito se defronta com um ambiente imagético, mas a história é muito simples: “eu tenho que levar o personagem para aquela trilha e acabou”. Muitos jogos que se dizem educacionais só possuem este objetivo: a interação para que se tenha uma determinada resposta. Nosso grupo não trabalha assim: todo jogo tem uma narrativa.

Qual a relação entre os jogos tradicionais e os digitais?

Observa-se muito a interação com os jogos analógicos, ou de tabuleiro, na Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Passou daí, o povo acha que jogar é perda de tempo. Mesmo sabendo de vários teóricos que discutem a importância de brincar e dos jogos para o desenvolvimento infantil, costuma-se pensar nisso só na Educação Infantil e no 1º e no 2º ano do Ensino Fundamental. Mas a escola precisa criar o espaço do brincar.

O analógico também é interessante e tem toda relação com o digital. A mecânica do jogo, ou seja, a lógica na qual se estrutura o jogo é muito parecida. Todo jogo, seja analógico ou digital, tem desafios, regras, objetivos, missões, recompensas, feedbacks, e alguns trazem a possibilidade de criar práticas colaborativas e cooperativas. Além disso, alguns têm narrativas. Eles são parecidos em nível de lógica, o que muda são as possibilidades. Os jogos digitais ampliam as possibilidades, como a simulação, como os jogos massivos multiplayer [com vários jogadores], a qualidade estética... Mas a lógica, aquilo que norteia o que é um jogo, está presente nos dois.

Essa mecânica dos jogos também está presente em outra coisa que virou moda, que é a "gamificação". Gamificar é usar essa lógica para criar estratégias pedagógicas, que não necessariamente precisam ter o jogo digital ou analógico para isso; é criar uma situação pedagógica onde você estabeleça desafios, objetivos, missões para serem cumpridas, regras, narrativas que podem enriquecer a história, feedbacks, recompensas e espaços de colaboração e cooperação.

Existem duas críticas que as pessoas fazem às práticas gamificadas: uma delas diz que os meninos acabam competindo muito. Mas a ideia é trabalhar com práticas colaborativas, onde essas estratégias desafiam os meninos a trabalharem coletivamente. Assim, você ameniza a questão da competição – embora eu ache a competição saudável. A vida toda a gente compete por várias coisas, isso não é ruim. Outra coisa que as pessoas criticam é a questão de estar sempre reforçando, estimulando uma lógica do tipo “se você fizer isso, eu vou premiá-lo, recompensá-lo”. Mas isso também é mais uma forma de motivar o sujeito.

Algumas práticas pedagógicas tradicionais, como o ditado, também são uma forma de gamificação?

Sim. Mas é preciso observar se essa atividade atende a todas as etapas da gamificação. Vamos destrinchar esse exemplo do ditado. Primeiro tem o desafio, que é escrever a palavra X. O objetivo é escrever corretamente. A regra é não olhar para o colega e fazer sozinho. Depois, tem o feedback. A premiação é para quem acertar mais palavras ou para quem terminar primeiro. Se você conseguir enquadrar todos esses elementos, pode dizer que é uma prática gamificada.

As formas de aprendizagem digital têm ganhado força em nossa sociedade. Em longo prazo, essas formas vão competir com a escola?

A escola vai sempre existir enquanto espaço de formação de conhecimento e cultura, mas ela tem que estar antenada com as novas demandas que vão surgir. Por exemplo, alguns cursos de inglês, durante a aula, usam a internet, o YouTube, incentivam a ouvir música... Assim, conseguem articular diferentes linguagens e isso, de alguma forma, acaba atendendo aos diferentes estilos de aprendizagem – de aprender ouvindo, vendo, fazendo exercícios, jogando, com simulações etc. A escola continua existindo. A escola que vai deixar de existir é essa que se afasta cada vez mais das demandas dos alunos, independentemente da faixa etária.

SAIBA MAIS

Comunidades Virtuais – pelo site do grupo de pesquisa da Uneb, coordenado por Lynn Alves, é possível acessar alguns dos jogos que o grupo desenvolve, além de informações sobre como jogá-los. Também estão disponíveis artigos relacionados a tecnologia, jogos digitais e educação.

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Entrevista com Lynn Alves - parte 1