Juntando as peças e construindo aprendizados

A combinação de jogos e conteúdos promove a aquisição prazerosa do conhecimento e trabalha de forma lúdica habilidades do ciclo de alfabetização


     

Letra A • Domingo, 23 de Outubro de 2022, 14:14:00

 
Por Isabella Lino
 
É brincando que se aprende. Essa frase com certeza já foi ouvida ao menos uma vez pela maioria dos profissionais da área da educação. Ela carrega consigo uma verdade comprovada e faz ainda mais sentido quando falamos de educação infantil. A ludicidade é um elemento essencial no trabalho com crianças, pois é por meio dela que esses indivíduos compreendem e se conectam com o mundo ao seu redor. No ambiente escolar, a presença de atividades lúdicas como jogos e brincadeiras estimula o desenvolvimento das habilidades cognitivas, corporais e sociais dos alunos.
 
Os jogos pedagógicos são recursos produzidos e muito utilizados por educadores para a promoção do aprendizado de um determinado assunto, conceito ou habilidade. No entanto, é comum que as crianças fiquem mais agitadas e inquietas em atividades de jogos, sendo esse um dos principais fatores desmotivantes para que os professores realizem mais essa prática em sala de aula. Porém, para Janaína, professora da rede municipal de Lagoa Santa (MG), é importante lembrar que quietude não é sinônimo de aprendizado e que são nessas trocas e interações por vezes mais alvoroçadas entre as crianças que ocorre a internalização do conhecimento. “Às vezes, quando as crianças estão mais agitadas, elas estão discutindo sobre aquele jogo, pensando em estratégias com autonomia, elas estão desenvolvendo habilidades”.
 
Mão na massa
 
“O ponto inicial para a criação de um jogo é a realização de um diagnóstico da turma”, pontua a professora Janaina. Isso porque é nessa etapa que o professor poderá perceber qual é a real necessidade de aprendizado da turma e a partir disso determinar quais habilidades deverão ser trabalhadas e contempladas pelo jogo. Após o estabelecimento do objetivo do recurso pedagógico, é necessário que se desenvolva um planejamento da estrutura do jogo: qual a sua modalidade, com quais materiais ele será feito e quais são suas regras e orientações. “A professora tem que pensar em um jogo que seja divertido e que envolva os alunos, para não ficar aquela coisa maçante, tipo atividade de ficha ou atividade de livro didático”, afirma Ana Cláudia Pessoa, professora da UFPE e membro do CEEL. Ana também ressalta que durante o planejamento, a depender da heterogeneidade da turma, é preciso pensar no desenvolvimento de um recurso que seja inclusivo e que atenda as particularidades de todos os alunos. “Se o professor tem na sala uma criança surda, por exemplo, como ele pensaria nesse jogo para que essa criança também possa brincar e participar, né?”
 
Junto à ludicidade, a competitividade é um dos elementos centrais que devem estar presentes em um jogo pedagógico, visto que é inerente ao ser humano a busca por alcançar uma posição de destaque, de modo que a presença desse fator impulsiona o engajamento das crianças com a brincadeira. No entanto, a professora Janaina alerta que é preciso estar atento quanto aos jogos competitivos, pois uma criança que tem dificuldade e perde frequentemente pode ficar desmotivada, além de traumatizada com as atividades de jogos, caso não haja uma mediação e uma intervenção mais assertiva do educador. Uma boa solução para isso é trabalhar os jogos na perspectiva de agrupamentos qualitativos, ou seja, separar a turma em grupos e direcionar para cada um deles um jogo ou um conjunto de regras que seja condizente com o nível de aprendizagem em que eles se encontram.
 
Os jogos também podem ser trabalhados no contexto de sequências didáticas, em que o recurso atua como uma ferramenta lúdica de sistematização dos conhecimentos adquiridos em sala de aula. “Então, se a gente está trabalhando uma sequência didática com um livro, por exemplo, estou lembrando de 'Viviana. Rainha do Pijama', então a gente fez toda uma sequência didática com o livro, o tema, exploramos os elementos e aí a gente cria um jogo relacionado com aquele livro, aquela temática”, exemplifica a professora Daniela Montuani. “Jogamos um bingo das sílabas, então vamos agora registrar algumas palavras que o grupo tal descobriu. Esse registro e essa continuidade também são muito importantes”, acrescenta.
 
Com os planos do jogo traçados e materiais a postos, é hora de colocar a mão na massa. Para Daniela, é essencial que o professor desenvolva um protótipo do jogo antes de montar a versão definitiva que será levada para a sala de aula, pois a partir dessa experimentação será possível determinar o que foi vantajoso e o que precisa ser reestruturado. “Em relação à materialidade, jogos com cores atrativas, que sejam duráveis, aí dependendo do jogo tem que ter um tamanho adequado, porque se eu tenho um jogo com as letras muito pequeninas ou um papel muito frágil que começa a voar, acaba dispersando as crianças [...]. Algo que eu acho muito importante, mas que não é muito barato, é plastificar o material, eu tenho aluna que passa durex, que é mais barato, ou contact, isso para ter mais durabilidade e facilitar na hora de limpar nesses tempos de pandemia”. 
 
Simone ressalta ainda que as atividades lúdicas encantam e facilitam a aprendizagem, mas o professor deve tomar cuidado para que elas sejam inseridas na prática docente com equilíbrio, sempre respeitando os momentos em que o conteúdo deve ser exposto e trabalhado de forma mais séria e metodológica. “O jogo não vai de forma alguma substituir a mediação docente”, pontua. Assim, é importante compreender o jogo como um recurso pedagógico de apoio que precisa possuir uma intencionalidade e necessita gerar benefícios de aprendizagem. “Se eu não souber usar esse recurso, ele pode não ser tão favorável. A gente acha que pode aproveitar qualquer tema, aquilo que agrada as crianças, mas sempre precisa ter um objetivo, não é banalizando ou tornando solto demais as coisas”, acrescenta.
 
Tipos de jogos: possibilidades e desafios
 
Existem três modalidades principais de jogos utilizados nos ambientes educacionais: impressos, feitos à mão e digitais. Os jogos impressos são uma opção prática e que não demanda tanto tempo para produção, além de permitirem que o educador se aproprie dos modelos já existentes e adapte imagens ou regras à realidade da sua turma. Já os recursos feitos à mão combinam elementos dos jogos impressos e componentes artísticos, mas também exigem o emprego de mais materiais, tempo e capacidades artesanais. “A professora pode aproveitar só a ideia de um jogo e montar o dela utilizando as mesmas regras, ou juntar dois jogos em um, ou pode fazer com material que ela imprimiu e peças que tinham sobrando”, explica Daniela. No caso de jogos criados manualmente, é válido solicitar a ajuda das crianças para a etapa de construção, seja para colorir, recortar, colar ou desenhar, pois estimula o protagonismo delas e trabalha outras habilidades, como a coordenação motora. “Eu proponho que as professoras criem com as crianças, que os alunos tragam imagem de casa e que eles criem cartelas, por exemplo, o próprio bingo”, acrescenta Daniela.
 
Os jogos digitais passaram a ser mais utilizados durante o período de ensino remoto devido à impossibilidade de contato entre professores e alunos. Eles apresentam um caráter interativo, com interfaces repletas de recursos visuais atrativos, sendo responsáveis por engajar e motivar as crianças, principalmente por se tratar de algo que costuma fazer parte do cotidiano delas, a tecnologia. Para a professora Ana, embora os jogos digitais sejam inovadores, a dificuldade de acesso aos equipamentos tecnológicos dentro dos ambientes escolares, bem como a falta de conhecimento aprofundado em sistemas de programação e plataformas de criação desses recursos, dificulta a sua produção e utilização. 
 
Já um fator limitante para a produção de jogos impressos ou manuais por parte dos professores é a materialidade, principalmente porque muitas escolas da rede pública não possuem verba para a criação de projetos, sendo muitas vezes necessário que o educador arque com os custos para o desenvolvimento desses recursos pedagógicos. A utilização de materiais reciclados no processo de confecção pode ser uma ótima alternativa para esse problema, pois reduz os custos e ensina aos alunos sobre consciência ecológica e sustentabilidade. “Dá pra usar a caixinha de fósforo para colocar, por exemplo, uma imagem por fora e dentro tem as letras para montar a palavra correspondente à imagem”, exemplifica Daniela.
 
Você conhece o Laboratório de Alfabetização e Letramento?
 
O Laboratório de Alfabetização e Letramento é uma disciplina optativa da Faculdade de Educação da UFMG que surgiu em 2017 com a proposta de discutir a produção de jogos para o desenvolvimento inicial da leitura e da escrita. Tendo como objetivo possuir um espaço físico para formação prática dos alunos, o Laboratório adquiriu uma sala própria que conta com recursos pedagógicos variados, como jogos do Ceale e do CEEL, materiais didáticos, além de produções autorais de estudantes e professores. “É uma disciplina teórica metodológica, porque a gente discute os conceitos e desenvolve materiais relacionados a eles. Então, por exemplo, estudamos consciência fonológica e desenvolvemos os materiais e os recursos didáticos de consciência fonológica”, explica a professora Daniela Montuani, coordenadora da disciplina. Em 2021, o Laboratório tornou-se um projeto de extensão que conta com a colaboração de bolsistas para a realização de pesquisas, construção de jogos e mediação com as crianças. O projeto também oferece esporadicamente encontros de formação continuada abertos para educadores interessados na discussão de temáticas ligadas à alfabetização e aos jogos. A divulgação das datas e demais informações são feitas na página do Laboratório no Instagram: @lal_ufmg