Entrevista com Osvaldino Monteiro, palestrante do Ceale Debate na próxima terça (22)

Pesquisador vai ministrar a palestra "Pensar as inovações pedagógicas a partir das escolas: potencialidades e desafios em Cabo Verde"


     

Acontece • Quarta-feira, 16 de Abril de 2014, 13:53:00

Muito mais do que reproduzir, os professores produzem conhecimento. Partindo desse princípio, o pesquisador Osvaldino Monteiro, doutorando da Universidade de Santiago de Compostela (Espanha), investiga as inovações pedagógicas desenvolvidas por docentes de Ensino Médio em Cabo Verde. Osvaldino é o palestrante do próximo Ceale Debate e fala ao portal do Ceale sobre a importância de dar voz aos professores. “Temos que dar oportunidade a eles de participarem ativamente do processo de inovações, da educação como um todo, mas sobretudo em suas próprias escolas”, ressalta.

O Ceale Debate com Osvaldino Monteiro é na próxima terça (22), das 19h30 às 21h30, no Auditório Neidson Rodrigues, na Faculdade de Educação da UFMG (Av. Antônio Carlos, 6.627 - Campus Pampulha - Belo Horizonte).

 

Em quais aspectos considera ser mais urgente uma transformação na educação em Cabo Verde?

Eu não poderia falar da educação no sentido geral, pois nós temos vários sistemas. Temos o sistema educativo no seu todo, que enfrenta um conjunto de desafios, mas também podemos identificar alguns desafios em cada um dos sistemas: no Ensino Básico, que vocês dizem Fundamental, e no Ensino Secundário, que vocês dizem Médio, e no Ensino Superior.

Eu, como trabalho mais na questão do Ensino Médio, estaria muito mais à vontade em falar dos desafios que considero urgentes nesse contexto. Um dos desafios que considero importante, que advém das pesquisas que tenho feito, tem a ver com a própria capacitação docente: novas competências para enfrentar novas exigências. Em resumo, eu poderia dizer que um dos maiores desafios seria melhorar ou atualizar o conhecimento e a formação docente em termos de novas competências e novas habilidades para enfrentar os desafios.

Há desafios que são mais no sentido de criação de condições paralelas para o bom funcionamento do Ensino Secundário. Melhor acompanhamento das famílias credenciadas, que precisam do melhor apoio em todos os níveis. Não estou falando apenas do apoio econômico, precisam de apoio até no nível social, de criação de estrutura que permita que essas famílias tenham apoio na tarefa de estudo de seus filhos.

Hoje em dia fala-se muito também das novas tecnologias no processo do ensino e aprendizagem. O próprio governo vem assumindo isso como um grande desafio, mas sabendo que há muito trabalho a se fazer. Mais uma vez aqui vem à tona a questão da formação docente, para utilizar adequadamente as novas tecnologias.

O terceiro, mas não menos importante, é implicar toda a sociedade civil no processo educativo. Como diria um dos meus entrevistados: “a educação é integral”. Então temos que ter a participação de todos os atores sociais para o processo de aprendizagem.

 

Você pode falar mais sobre o papel dos docentes para transformar a educação?

Para mim está claro que já passamos da fase de deixar o docente de fora do processo de mudança. Em nível mundial, o Brasil é um exemplo: tem-se produzido muito sobre dar oportunidade aos docentes, ouvir suas vozes, escutá-los e aprender com eles, em vez de fazermos somatórios de medidas inovadoras que vem de cima para baixo. Eu acredito que, se queremos mudar o processo em si, temos que nos avizinhar das práticas docentes, dos seus valores, das suas crenças, da forma como trabalha no seu dia a dia. Por mais que seja interessante uma medida, por mais que seja inovadora, por mais que tenha tido sucesso em certo contexto social ou cultural, se os professores não conseguirem se apropriar dessas medidas, se os professores não conseguirem utilizá-las como instrumentos de mudança, dificilmente poderemos atingir nosso objetivo, que é levar a cabo a aprendizagem de nossos alunos. Em resumo, os professores têm um papel fundamental neste processo. É preciso criar condições em nível da própria carreira docente, é preciso também, sobretudo, criar condições em nível de uma contínua atualização de conhecimentos, mas não resta dúvida de que os professores acabam por desempenhar um papel fundamental. São eles os principais agentes de mudança no contexto educativo, porque o que nós queremos é que mude na verdade são as escolas efetivamente.

 

Você pesquisa casos de inovações pedagógicas em escolas caboverdianas. Pode citar um caso e como ele pode influenciar nos rumos da educação em Cabo Verde?

Aqui nós podemos de certa forma indicar algumas tendências inovadoras que consideramos que poderiam ser melhor analisadas e transformadas, no sentido de conhecer. Uma das tendências, por exemplo, são estratégias do envolvimento dos pais na educação por via da escola. O tradicional é que uma escola convoque uma reunião e chame os pais para ir à escola. Mas depois de vários anos desta medida é evidente que não tem tido resultados positivos. Então, por exemplo, uma das medidas que eu notei nos trabalhos de campo que fiz tem a ver com o fato de a própria escola deslocar-se à comunidade. Imagina, por exemplo: nós temos uma escola secundaria localizada a várias horas distante da escola e os pais têm outras tantas tarefas em termos profissionais e não conseguem ir à escola. Então, a direção da escola organiza algumas reuniões com os pais nas suas próprias localidades. E as direções das escolas têm visto que na verdade os pais aderem muito mais quando os educadores vão às suas localidades. É claro que isso se dá aos custos, que têm a ver com a disponibilidade pessoal, custos financeiros etc. Esta seria uma das inovações que eu gostaria de referenciar. E, por conseqüência dessa inovação, outro aspecto interessante em algumas escolas que eu trabalhei foi que, para além da presença do aluno na escola, é preciso fazer também trabalho comunitário com os pais. É preciso que se dê condições para que os pais que não tiveram um nível de escolaridade suficiente para acompanhar seus filhos, a própria escola, ou outros atores sociais, viajem às comunidades e também apostem em um empoderamento dessas comunidades. Numa perspectiva de que, empoderando os pais e empoderando os alunos, essas famílias estariam em melhores condições de acompanhar o desenvolvimento de seus educandos.

Então, como eu disse na parte inicial, minha perspectiva de análise é mais uma perspectiva de uma voz reivindicativa por maior participação da escola e dos professores essencialmente. Nós podemos dentro da escola encontrar projetos pedagógicos interessantes.  Por exemplo, projetos que tenham a ver com intercâmbio de professores entre as escolas. Por exemplo, coordenações interdisciplinares: o núcleo de professores da área de história coordena junto com o núcleo de professores da área de geografia. Também temos tido práticas de várias escolas que se juntam para discutir vários problemas.

 

Alguma última consideração?

Eu só queria enfatizar que a investigação que tenho feito fundamentalmente segue na perspectiva de dar voz aos docentes. Nós temos que passar a ouvi-los. A partir dessa oportunidade, tentar redimensionar o sistema de uma forma participativa, de uma forma que eles participem ativamente, porque a fim e ao cabo são eles os principais atores para a promoção de qualquer mudança. Há muitas reformas que são feitas de cima para baixo, mas, quando chegam ao local fundamental que são as escolas, já chegam com certo vazio. Então, temos que dar oportunidade aos professores para participarem ativamente no processo das inovações, da educação no seu todo, mas sobre tudo nas suas próprias escolas.