Escola sem partido?

Por Graça Paulino - professora aposentada da Faculdade de Educação da UFMG, pesquisadora do Grupo de Pesquisa do Letramento Literário (Gpell/Ceale)


     

Geral • Quinta-feira, 11 de Agosto de 2016, 17:31:00

Se encararmos a escola como uma das instituições que compõem necessariamente a vida social, perceberemos que ela, como as outras, congregando diversos sujeitos, deve estampar uma força que se sobreponha a estes como indivíduos, de modo que, ao morrer o José, não precisemos repensar formas de comida, de bebida, de vestimentas, concepções religiosas ou agnósticas, organizações de parentesco, modos de amar ou de odiar, estruturas linguísticas, artísticas, míticas ou cotidianas.

Assim, para que a sociedade se mantenha estável, organiza-se em instituições. Althusser, um questionador marxista dessa estabilidade, chamou tais instituições de “aparelhos ideológicos de Estado”, considerando que todas se subordinavam à instituição econômica dominante. Mudando-se esta, mudariam as outras. Gramsci, em suas ideias iniciais, acreditava que a sociedade em que fosse vitorioso o proletariado não teria ideologia, pois, respeitando-se a igualdade, não haveria um sistema de dominação social e econômica. Posteriormente, ainda no cárcere, reconheceu que não seria possível essa sociedade. Para Marx, o próprio sujeito é produto da ideologia, um produto  que brota da classe dominante, com sua falsa consciência agindo no sentido de manter a dominação.

Tomemos como exemplo duas instituições de nossa sociedade: a família e a escola. Pais e filhos não são iguais a professores e alunos, por isso estão aqui presentes duas diferentes instituições. A sociedade é a mesma, porém, mesmo em seu caráter institucional, estável, as famílias e as escolas apresentam, além das diferenças externas, diferenças internas. Há famílias em que divergências de opinião levam a discussões constantes, há famílias em que o pai e/ou a mãe são respeitados como deuses, há famílias em que cada um leva sua vida de modo solitário, como se não devesse haver diálogo que o ligasse  aos outros. Quanto à escola, as diferenças também parecem internas à própria instituição, sendo algumas religiosas, algumas políticas, algumas autoritárias, outras libertárias. Há escolas que só aceitam pessoas de uma raça, recusando as outras. Há escolas que controlam o modo como os alunos se vestem, impedindo a entrada sem uniforme, outras que consideram roupas irrelevantes.

Os sujeitos envolvidos nessas duas instituições nem sempre optam pelo consenso, sendo, por isso, constantes as brigas entre alunos, entre pais, ou entre autoridades de parentesco e autoridades escolares. Nos EUA são comuns os casos de alunos que se armam para matar colegas e professores. E se pensarmos mais longe, levando a sério a globalização, desistiremos de  homogeneidades, já que em nossa sociedade brasileira, por exemplo, nenhuma religião conhecida convenceria um jovem a encher a roupa de pregos e bombas para se estourar em um local público e matar com ele muitas pessoas estranhas.

Nossa cultura nada tem de homogênea ou neutra. Drummond escreveu um poema intitulado “O Medo”,  dedicado a Antonio Candido, em que diz: “O medo, com sua capa,/ nos dissimula e nos berça.” Mas o melhor ele diz em “Nosso tempo”: “Este é tempo de partido,/ tempo de homens partidos.” A escola, como instituição, e os professores, como sujeitos, ambos inevitavelmente ideológicos, jamais conseguirão alcançar uma posição de neutralidade transcendental. Escola sem partido é um contrassenso que deve interessar a alguma instituição de poder político.


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