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Analfabetismo

Autor: Alceu Ravanello Ferraro,

Instituição: Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS,

Em seu sentido etimológico, analfabeto (a[n]+alfabeto, sem alfabeto) designa qualquer pessoa que não conheça o alfabeto ou que não saiba ler e escrever, e analfabetismo, a condição de quem não conheça o alfabeto ou não saiba ler e escrever. O termo analfabeto remonta, pelo menos, ao século VI d.C., aplicado ao imperador Justino, do Império Romano do Ocidente, e utilizado, já então, com a conotação pejorativa de pessoa muito ignorante. No entanto, até muito recentemente, essa avaliação negativa era dirigida apenas a aspirantes ou titulares de determinados cargos ou funções que requeriam domínio da leitura e da escrita. Só a partir do século XVIII começou-se a cobrar do povo tal domínio, fato este que acarretou mudança profunda tanto no conceito de analfabetismo como na extensão de sua aplicação.

No Brasil, até o final dos anos 1870, saber ler e escrever nunca fora condição para votar. Bastava a comprovação da renda exigida pela Constituição do Império. Quando, porém, ocorreu a reforma eleitoral para introdução do voto direto (Lei Saraiva, 1881), o Partido Liberal, então no poder, acabou por excluir do voto os analfabetos, sob o argumento de que o analfabetismo representava ignorância, cegueira, pauperismo, falta de inteligência e de discernimento intelectual, incapacidade política e até marginalidade e periculosidade. A condição de analfabetismo transformou-se, assim, repentinamente, num estigma: numa marca negativa e excludente.

Em 1968, no exílio, Paulo Freire denunciou uma série de concepções distorcidas, que concebiam o analfabetismo como erva daninha a ser erradicada; doença contagiosa ou chaga deprimente a ser curada; vergonha; manifestação de incapacidade, de pouca inteligência, de proverbial preguiça etc. Ao contrário de tudo isso, para Freire o analfabetismo é uma das múltiplas expressões concretas de uma realidade social injusta: uma forma de injustiça social. Nessa concepção crítica, alfabetizar não poderá reduzir-se ao ensino da técnica de ler e escrever, nem à memorização de sílabas, palavras e frases; deverá ser processo de reflexão crítica sobre o próprio processo de ler e escrever e sobre o significado da linguagem, pondo ao alcance dos alfabetizandos um poderoso instrumento de libertação dessa injustiça social chamada analfabetismo. Tratou-se aqui do analfabetismo absoluto, mas há outras formas de analfabetismo, como o funcional, o matemático, o digital.


Verbetes associados: Alfabetização, Alfabetização de jovens e adultos, Alfabetização digital, Alfabetização funcional, Cultura escrita, Letramento, Proposta de Paulo Freire para a alfabetização


Referências bibliográficas:
FERRARO, A. R. História inacabada do analfabetismo no Brasil. São Paulo: Cortez, 2009.
FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
MANACORDA, M. A. História da Educação: da Antiguidade aos nossos dias. São Paulo: Cortez, 1989.
SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.

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