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Coerência pragmática

Autor: Janice Helena Chaves Marinho,

Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG / Faculdade de Educação / Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita-CEALE,

Os participantes de uma interação sempre esperam que o que é dito ou escrito faça sentido num contexto particular. O que eles têm em mente é uma suposição de coerência e, assim, conectam os significados dos enunciados, mesmo quando estes não estão explícitos no texto. Isso ocorre graças aos conhecimentos compartilhados por eles e à sua capacidade de inferência. 

A construção da coerência pragmática depende de como os falantes entendem a situação comunicativa, do que sabem previamente a respeito de seus interlocutores e, também, dos seus conhecimentos de mundo e da língua. Por exemplo, quem sabe que Maria tem problemas gástricos de fundo nervoso e que seu estado piora quando ela se alimenta preocupada com o horário vai considerar consistente e com sentido um enunciado como “Maria teve uma indigestão, embora o relógio estivesse estragado” (COSTA VAL, 1991, p. 13). Assim, a coerência pragmática consiste num trabalho dos interlocutores sobre as possibilidades de interpretação do texto numa dada situação.

A coerência pragmática também está relacionada a sequências de atos de fala, do tipo pergunta/resposta, pedido/atendimento ou pedido/recusa, por exemplo. Caso uma sequência não seja seguida, os interlocutores recorrem à situação de comunicação e a seus conhecimentos para a produção de sentido. Assim, se o marido pergunta à esposa "Você quer café?" e ela responde "Tenho de acordar cedo amanhã", é com base nas circunstâncias que os envolvem e nos conhecimentos partilhados por eles que se pode inferir que a fala da esposa consiste de fato numa resposta, que seria a de que não quer café.

Pode-se, ainda, construir a coerência pragmática com base em recursos usados no texto, entre eles os mecanismos enunciativos. Esses mecanismos manifestam as avaliações e os sentimentos do locutor sobre alguns aspectos do assunto tratado, e as origens dessas avaliações. Por exemplo, no enunciado: Misturar estilos diferentes na decoração com certeza não seria uma tarefa fácil, percebemos, por meio dos recursos grifados, que o locutor se apresenta como alguém que não se sente seguro quanto à mistura de estilos e, ainda, que pressupõe alguma outra voz falando de uma perspectiva diferente, afirmando que isso poderia, sim, ser uma tarefa fácil.

Outra forma de o enunciador se posicionar são as modalizações, que traduzem comentários ou avaliações sobre algum elemento do conteúdo temático do texto. Expressões como talvez, necessariamente, obviamente, é evidente que, é preciso que, certamente, felizmente, estranhamente etc. orientam os interlocutores na interpretação do que pensa o enunciador e contribuem para a construção da coerência pragmática.

A análise da coerência pragmática favorece a interpretação do que as pessoas querem dizer num contexto particular e de como o contexto influencia o que é dito. A partir daí se pode estudar como os interlocutores fazem inferências sobre o que é dito para chegar à interpretação desejada pelo locutor.

A vantagem do estudo das relações entre as formas linguísticas e seus usuários na prática pedagógica é que se pode falar dos significados intencionados pelas pessoas, de suas suposições, de seus propósitos ou objetivos, além do tipo de ação linguística que elas realizam quando falam ou escrevem.


Verbetes associados: Coerência textual, Situação comunicativa, Texto


Referências bibliográficas:
BRONCKART, J. P. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sociodiscursivo. São Paulo: EDUC, 1999.
COSTA VAL, M. G. Redação e textualidade. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
KOCH, I. V. Introdução à Linguística Textual: trajetória e grandes temas. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
KOCH, I. V.; TRAVAGLIA, L. C. A Coerência textual. São Paulo: Contexto, 1990.

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