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Instrumentos de escrita

Autor: Isabel Cristina Alves da Silva Frade,

Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG / Faculdade de Educação / Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita-CEALE,

Instrumentos de escrita podem ser definidos como aqueles objetos que constituem gestos e modos de escrever de cada tempo – ou seja, dispositivos que deixam marcas inscritas em determinados materiais ou suportes. Os instrumentos fazem parte das práticas sociais internas e externas à escola e podem alterar o modo como se aprende, as decisões em torno do ensino da leitura e da escrita e das formas de manuseio de cada um deles.

Na Europa, e também no Brasil, somente em meados do século XIX é que o ensino simultâneo da leitura e da escrita para iniciantes se tornou uma prática escolar corrente, devido ao barateamento do papel e à divulgação da pena metálica (inventada em 1803 e divulgada na escola em 1840), pois aparar a pena era um gesto muito perigoso para crianças pequenas. Nos usos escolares da escrita, é forte a relação entre o que se escreve e o instrumento disponível: no século XIX crianças menores escreviam em caixas de areia, depois nos quadros de ardósia, que exigiam o uso de um giz para pedra (lápis para ardósia), para inscrever nesse suporte rígido, e de um pano úmido para apagar.  Os mais adiantados, com as mãos mais treinadas, escreviam no papel com suas canetas tinteiro e depois nos cadernos.

No início do século XX, os pedidos de traslados de cadernos de desenho e cadernos de caligrafia mostram que primeiro era preciso aprimorar o gesto de escrita, a disciplina do traçado, para depois escrever, embora se copiassem textos nesses treinos.  A escrita em ardósia possibilitava o registro de palavras e, talvez, frases pequenas, mas as escritas eram efêmeras, pois não era possível conservá-las. O uso de caneta tinteiro, que não permitia borrões, requeria um tipo de escrita muito controlada, enquanto o lápis grafite, já popularizado na Europa e nos EUA desde a segunda metade do século XIX, com a borracha associada, passou a permitir erros e acertos.  

Conforme estudos de Jean Hébrard e Anne-Marie Chartier, diferente das folhas soltas, o instrumento caderno passou a condicionar novos modos de pensar e de organizar o saber escolar e a escrita. Com ele pode-se registrar a escrita por dia de trabalho e por disciplina, usar mecanismos gráficos, como tabelas e listas marcadas pelo uso do espaço vertical ou horizontal da página, escolher traçados para marcar a distinção entre os textos dos exercícios ou separar uma atividade didática da outra. O uso do fichário pode trazer outra relação com a escrita e com formas de ordenamento e sequência de registro. O uso de folhas soltas, que parece comum na alfabetização atual, leva ao desaparecimento de uma série de mecanismos sequenciais, dificultando também a conservação dos escritos.

            Depois de quase dois séculos de uso de variados instrumentos na escrita escolar, parece que houve um esquecimento de como foi difícil chegar ao mundo do papel e do lápis na escola e na alfabetização. A entrada na era do teclado digital traz para a pedagogia, necessariamente, questões inusitadas, provocadas por este novo instrumento de escrita. 


Verbetes associados: Alfabetização digital, Caligrafia, Cultura escrita, Suportes da escrita


Referências bibliográficas:
CHARTIER, A-M. Práticas de leitura e escrita: história e atualidade. Belo Horizonte: Autêntica. 2007.
FRADE, I. C. A. S. Suportes, instrumentos e textos de alunos e professores em Minas Gerais: indicações sobre usos da cultura escrita nas escolas no final do século XIX e início do século XX. História da Educação. ASPHE, FAE, UFPel. Set/dez.2009. p. 29-55.
HEBRARD, J. Por uma bibliografia material das escritas ordinárias: o espaço gráfico do caderno escolar (França – séculos XIX e XX). Revista Brasileira de História da Educação. Campinas: Autores Associados, 2001.
RAZZINI, M. Instrumentos de escrita na escola elementar: tecnologias e práticas. In: MIGNOT, A. C. V. (Org.). Cadernos à vista. Escola, Memória e cultura escrita. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2008.

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