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Literatura Indígena

Autor: Carlos Augusto Novais,

Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG / Faculdade de Educação / Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita-CEALE,

Ainda não há consenso sobre o uso da expressão Literatura Indígena. Afinal, sob o conceito de “indígena” reconhecem-se, atualmente, segundo o censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 305 grupos étnicos, com culturas e histórias próprias, falando 274 línguas. Portanto, encontrar uma denominação de referência geral não é muito simples. Outras expressões, embora menos usadas, vêm se apresentando na tentativa de caracterizar esse campo de interesse, como Literatura Nativa, Literatura das Origens, Literatura Ameríndia e Literatura Indígena de Tradição Oral. Próxima a essas, mas já com significado e alcance próprio, ainda contamos com Literatura Indianista, para se referir à produção do Romantismo brasileiro do século XIX de temática indígena, como os versos de Primeiros Cantos (1846) e de Os Timbiras (1857), de Gonçalves Dias, e os romances O Guarani (1857) e Iracema (1865), de José de Alencar. Diante desse quadro, quando usamos, hoje, a expressão Literatura Indígena, uma questão, necessariamente, ainda se apresenta: quais objetos ela incorpora ou para quais aponta ou tem apontado?

Em perspectiva ampla, diríamos que essa produção cultural assinala textos criativos em geral (orais ou escritos) produzidos pelos diversos grupos indígenas, editados ou não, incluindo aqueles que não se apresentam, em um primeiro momento, como constituídos a partir de um desejo especificamente estético-literário intencional, como as narrativas, os grafismos e os cantos em contextos próprios, ritualísticos e cerimoniais. Parte dessa produção ganha visibilidade com os registros realizados por antropólogos e pesquisadores em geral. Outra parte surge por meio de levantamentos realizados por professores atuantes em cursos de licenciatura indígena e dos próprios alunos desses cursos, oriundos de várias etnias. Estima-se que 1564 professores indígenas estavam em formação no ano de 2010, em cursos financiados pelo Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Interculturais Indígenas (PROLIND), do Ministério da Educação.

Em perspectiva restrita, a expressão Literatura Indígena tem sido utilizada para designar aqueles textos editados e reconhecidos pelo chamado sistema literário (autores, público, críticos, mercado editorial, escolas, programas governamentais, legislação), como sendo de autoria indígena. Um marco importante se dá em 1980, ano de publicação do considerado primeiro livro de autoria indígena com tais características, intitulado Antes o Mundo não Existia, de Umúsin Panlõn & Tolamãn Kenhíri, pertencentes ao povo Desâna, do Alto Rio Negro/AM. A partir das licenciaturas indígenas, assistimos, na década de 1990, ao incremento dessa produção editorial.

Ainda nessa direção, em 2003, foi criado o Núcleo de Escritores e Artistas Indígenas (NEArIn), vinculado ao Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual (INBRAPI). Em 2004, a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) lança dois concursos anuais associados aos livros de autoria indígena, o Tamoios e o Curumim. O segundo, por exemplo, premia trabalhos e projetos de professores da Educação Básica desenvolvidos com livros da literatura indígena. A escolarização da literatura indígena se consolida com a Lei 11.645, de 08/03/2008, que institui a obrigatoriedade do estudo das histórias e culturas indígenas no contexto escolar brasileiro. Para os anos iniciais do Ensino Fundamental, apresentam-se narrativas de temáticas brasileiras, que contemplam o imaginário infantil, algumas já populares, em livros cada vez mais preocupados com a adequação dos seus projetos gráfico-editoriais.

De modo geral, a Literatura Indígena, nessa perspectiva, tem se apresentado em língua portuguesa ou bilíngue (em alguns casos em que a língua indígena apresenta registro escrito), em gêneros variados como relatos sobre a origem do mundo e atividades cerimoniais, histórias de animais, narrativas sobre fatos gerais da vida, cantos diversos, poemas. Encontramos nela desde a recolha e a escrita particular de narrativas tradicionais coletivas, passando por trabalhos que se dedicam à recriação de elementos da tradição oral (personagens, cenários, símbolos) até a criação individual, propriamente dita. Três dimensões se evidenciam nessa produção: a política (questões de identidade), a cognitiva (preservação de conhecimentos tradicionais e da memória social) e a estética (configuração do sensível).


Verbetes associados: Leitura literária, Letramento Literário, Literatura e Diversidade Cultural, Literatura oral, Reconto


Referências bibliográficas:
ALMEIDA, M. I. Ensaios sobre a Literatura Indígena Contemporânea no Brasil. (Tese de doutorado apresentada ao Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais). Belo Horizonte, 2000.
LUCIANO, G. S. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006.
NEArIn / INBRAPI. Pequeno Catálogo Literário de Obras de Autores Indígenas, São Paulo: Global Editora, 2008.
RISÉRIO, A. Textos e tribos – poéticas extraocidentais nos trópicos brasileiros. Rio de Janeiro: Imago, 1993. (Série Diversos).

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