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Palavra

Autor: Clenice Griffo, Maria da Graça Costa Val,

Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG / Centro Pedagógico/Escola de Educação Básica e Profissional, Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG / Faculdade de Letras / Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita-CEALE,

A noção de palavra faz parte do conhecimento linguístico de todo falante, inclusive daqueles que nunca foram à escola. No entanto, não se trata de um conceito fácil, nem para os linguistas, nem para os aprendizes da escrita.

Os linguistas costumam apontar diferentes concepções desse termo, no âmbito de diferentes dimensões do estudo da língua. No âmbito da escrita, tem-se a palavra gráfica, delimitada por espaços em branco e/ou por sinais de pontuação. Essa caracterização, no entanto, não se aplica às palavras faladas. No fluxo da fala, as pausas podem delimitar uma unidade composta por uma ou mais palavras. Artigos (o, a, um, uma), pronomes átonos (se, lhe), preposições (de, em) sempre são pronunciados ancorados em outras palavras que tenham uma autonomia acentual. Assim, do ponto de vista fonológico, uma sequência como [u’livru] constituiu-se em uma palavra fonológica registrada com duas palavras gráficas. Outra concepção se constitui no âmbito da morfossintaxe (estudo das funções e flexões que as palavras assumem quando se combinam para compor uma oração). É a chamada palavra morfossintática, caracterizada como “qualquer uma das formas que um item lexical pode assumir em seu funcionamento gramatical”. Assim, os plurais de substantivos, os advérbios com final -mente, as formas flexionadas dos verbos (lavei, lavaria, vendíamos, vendera, sorriu, sorrisse), que não aparecem nos dicionários, são considerados palavras morfossintáticas.

Essas diferentes noções apreendidas pela Linguística vão se manifestar no processo de apropriação da escrita. Daí o seu interesse para os alfabetizadores, que precisam saber o que é palavra na perspectiva de quem aprende o sistema de escrita. Para o aprendiz, entender o que é a palavra não é fácil, ainda que esse termo seja usado desde o início da escolarização. Até entre estudiosos do tema, há controvérsias sobre o que seja a concepção de palavra no processo inicial de alfabetização. Uns defendem que a noção de palavra só é adquirida através da escrita, outros pensam que há uma realização psicológica da palavra antes mesmo da experiência com a escrita.

A noção intuitiva de palavra, na linguagem falada, que pode excluir itens lexicais como os citados artigos definidos (o, a), pronomes átonos (se, lhe) e preposições (de, em), tende a se refletir nas hipóteses dos aprendizes quanto às unidades linguísticas que devem ser representadas na escrita. Estudos sobre a psicogênese da escrita mostram as dúvidas das crianças quanto à escrita desses itens: o, a, me, se, de, em são palavras? Podem ser escritos? Devem integrar a palavra como um todo (“oelefante”) ?

A correspondência entre unidades gráficas e unidades orais é, para professores e aprendizes, um dos problemas a superar no processo de alfabetização. A diferença é que as unidades gráficas são imediatamente identificáveis, sem conflitos quanto à sua delimitação, o que não ocorre no caso das unidades orais, pois, como vimos, normalmente não segmentamos a fala palavra por palavra. Para o aprendiz, essa diferenciação não é tão simples. Daí os conhecidos erros de hipossegmentação (unir formas que constituem palavras ‘separadas’) e hipersegmentação (separar partes de uma única palavra), como no seguinte trecho de uma escrita infantil, com as duas situações: “poriso equeuto a sim” (... por isso é que eu tô assim). Tem-se a hipossegmentação em “poriso” (por isso) e “equeuto” (é que eu estou) e a hipersegmentação em ‘a sim’ (assim).

A noção de palavra da criança, nas dimensões gráfica, fonológica e morfossintática, vai sendo construída em exercícios de leitura em que o gesto do professor indica as unidades escritas, em brincadeiras de cortar ou colar palavras que compõem uma frase, na produção de textos em que se aponta, por exemplo,  a necessidade da flexão de plural ou se discute o uso de uma preposição.


Verbetes associados: Fonologia, Léxico, Morfologia, Psicogênese da aquisição da escrita , Segmentação de palavras, Sintaxe


Referências bibliográficas:
CÂMARA Jr., J. M. de. Problemas de linguística descritiva. Petrópolis, RJ: Vozes, 1971.
Da SILVA, A. Alfabetização. A escrita espontânea. São Paulo: Contexto, 1991.
ROSA, M. C. Introdução à Morfologia. São Paulo: Contexto, 2002.
TRASK, R. L. Dicionário de linguagem e linguística. Tradução de Rodolfo Ilari. São Paulo: Contexto, 2004.

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