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Segmentação de palavras

Autor: Gilcinei Teodoro Carvalho,

Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG / Faculdade de Educação / Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita - Ceale,

Nos vários sistemas de escrita, a marcação das fronteiras de uma palavra foi e é feita de maneira diversificada. Alguns sistemas não fornecem nenhuma marca formal que separe a unidade palavra, outros apresentam algum tipo de recurso gráfico e, outros, por sua vez, apresentam o recurso espacial. Assim, pelo critério da delimitação da palavra na escrita, há uma escrita contínua e uma escrita segmentada. O percurso histórico da segmentação, particularmente a adoção ou não do espaçamento entre as palavras, é marcado por idas e vindas. Este fato é evidenciado tanto na comparação entre vários sistemas de escrita quanto nas mudanças que podem ocorrer no interior de um mesmo sistema.

Segmentar as palavras na escrita não é uma mera exigência formal; é um recurso funcional que facilita, na leitura, o acesso ao significado. Desta forma, a segmentação de palavras adquire o mesmo valor da pontuação, já que ambas são pistas que orientam o leitor a percorrer a escrita. No entanto, a questão é saber quais são os critérios que governam a colocação dos espaços em branco. O uso do espaço separando o artigo do substantivo em ‘a casa’, por exemplo, é justificado por um critério morfológico – ou seja, pelas diferenças de classificação de palavras na língua portuguesa. Fonologicamente, no entanto, não teríamos motivos para grafar separadamente as duas palavras, já que temos apenas uma palavra fonológica /a’kaza/. Está instaurado, então, um conflito, tanto que os aprendizes, baseados em um critério sonoro, tendem a grafar ‘acasa’, sem espaçamento. Evidentemente, o critério fonológico para marcar as palavras na escrita dos aprendizes deve ser substituído por um critério morfológico, já que é este o parâmetro de segmentação adotado pela escrita. Há situações, no entanto, em que a presença ou ausência de segmentação acarreta variação de significado, como no exemplo agente e a gente. Essa mesma sequência sonora pode ter duas interpretações morfológicas; uma palavra (agente) ou duas (a gente). Neste e em outros casos, é o critério semântico que define a presença ou não do espaçamento. Há, ainda, os casos em que razões morfológicas ou semânticas não são suficientes para justificar a segmentação. O uso do hífen pode exemplificar essa situação, já que, em muitos casos, é a mera convenção que determina sua presença ou ausência, impondo, portanto, para todos os usuários da escrita, um grau máximo de arbitrariedade.

Considerando toda essa complexidade de critérios, o universo de ocorrência de problemas de segmentação é extremamente heterogêneo: há casos em que o aprendiz não opera com um critério nítido de colocação dos espaços em branco entre as palavras, produzindo uma escrita contínua; há casos em que segmenta para menos, ou seja, junta elementos que a escrita convencional manda separar (hipossegmentação ou fusão); há, ainda, casos em que o aprendiz segmenta para mais, ou seja, separa elementos que a escrita oficial manda juntar (hiperssegmentação ou cisão). Qualquer que seja o problema de segmentação, é importante, no processo de alfabetização, que o professor sinalize, nas atividades de leitura e escrita, a importância dos elementos gráficos - entre eles o espaçamento. No processo de entendimento das hipóteses dos aprendizes, o professor pode se valer da compreensão de que eles operam com diferentes critérios. A superação de um critério fonológico é fundamental para a compreensão das razões morfológicas e semânticas que justificam a presença ou ausência de espaços em branco.


Verbetes associados: Convenções da escrita, Ortografia, Palavra, Pontuação, Sistemas de escrita


Referências bibliográficas:
CAGLIARI, L. C. Alfabetização & Linguística. São Paulo: Scipione, 1989.
Da SILVA, A. Alfabetização. A escrita espontânea. São Paulo: Contexto, 1991.
FERREIRO, E. et al. Chapeuzinho vermelho aprende a escrever. São Paulo: Ática, 1996.

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