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Práticas de leitura

Autor: Antônio Augusto Gomes Batista,

Instituição: Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária – CENPEC,

O uso pedagógico da expressão práticas de leitura se origina, no Brasil, de duas tradições de investigações sobre a leitura. Primeiramente, origina-se de estudos históricos e sociológicos, sobretudo franceses, que se difundiram no País a partir de meados da década de 1990. Nesse caso, a expressão procura designar a situação da leitura em sua concretude, englobando o conjunto de elementos que concorrem para a criação dessa situação, sempre tomada como histórica e, por isso, diversificada e mutável. São estudos que se interessam, considerando um momento dado e grupos sociais determinados, por saber quem lê o quê, quando, onde, por que motivos, de que modos, com que intensidade. Essas investigações se interessam, ainda, por apreender como determinados processos – sejam de natureza técnica, sejam de natureza social mais ampla – interferem na ampliação do público leitor, nos modos de ler, nas maneiras de atribuir sentido, na própria organização da página, do impresso, de seus suportes.

A segunda linha de investigação de que se origina o uso pedagógico da expressão práticas de leitura é predominantemente anglo-saxônica e é conhecida como “estudos sobre o letramento”. Nesse caso, trata-se do conceito de “práticas de letramento” – das quais as de leitura seriam parte. Uma prática de letramento tem natureza abstrata e pode ser compreendida sempre a partir de um “evento de letramento”. Este tem natureza concreta e designa uma situação em que a escrita é parte estruturante da interação, seja diretamente, na forma de texto escrito, seja indiretamente, por influenciar a fala (como, por exemplo, em conferências, jornais de rádio e TV, exposições didáticas,  sermões religiosos). Se o evento de letramento designa a situação concreta, as práticas de letramento e, por extensão as de leitura, designam algo que pode ser apreendido a partir de um conjunto de eventos: os significados que os agentes atribuem ao letramento, o modo como este se vincula a processos sociais mais gerais, bem como a relações de poder e dominação e padrões culturais mais amplos que organizam os usos da leitura e da escrita.

Na tradição pedagógica recente, a expressão práticas de leitura refere-se à (i) criação de situações reais de leitura em sala de aula, bem como à (ii) busca de apreensão e negociação dos significados que os aprendizes atribuem à leitura em geral, bem como à leitura de diferentes gêneros. Em se tratando da criação de situações reais de leitura, a noção pedagógica de práticas de leitura retoma, ainda que de forma ampliada, a de “usos sociais da língua escrita” ou de “usos sociais da leitura”. Ela busca recriar, no interior da escola, as práticas de leitura que ocorrem em outras esferas do mundo social e não apenas fazer atividades para aprender a ler.

O desafio, para aqueles que assumem essa perspectiva, é fazer aprender a ler ao mesmo tempo em que se faz o aluno participar da cultura escrita, interagindo com textos reais, com propósitos efetivos e em busca da construção de sentidos. Versões mais radicais dessa perspectiva assumem que as atividades com o sistema de escrita só podem ocorrer no interior de práticas de leitura (ou de escrita); outras perspectivas julgam que é difícil e pouco proveitoso fazer a atenção do aluno voltar-se ora para a compreensão, ora para o sistema, sendo necessário trabalhar alternadamente com uma e outra dimensão.


Verbetes associados: Alfabetização, Leitura em voz alta, Leitura silenciosa, Letramento, Letramento escolar, Oralidade e escrita , Práticas e eventos de letramento , Usos sociais da língua escrita


Referências bibliográficas:
BATISTA, A. A. G. Alfabetização, leitura e ensino de Português: perspectivas curriculares. Revista Contemporânea de Educação. Rio de Janeiro: Faculdade de Educação da UFRJ, n. 12, p. 9—35, ago-dez, 2011.
CHARTIER, R. Textos, impressos, Leituras. In: _____. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990. 121-139,
DARNTON, R. Primeiros passos para uma história da leitura. In: ______. O beijo de Lamourette: mídia, cultura e revolução. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 168-201.
HEATH, S. B. What no bedtime story means: narrative skills at home and school. In: DURANTI, A. (Org.). Linguistic anthropology: a reader. Oxford: Blackwel, 2001. p. 49-75.
KLEIMAN, A. Trajetórias de acesso ao mundo da escrita: relevância das práticas não escolares de letramento para o letramento escolar. PERSPECTIVA, Florianópolis, v. 28, n. 2, 375-400, jul./dez. 2010.

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