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Gêneros do discurso

Autor: Roxane Rojo,

Instituição: Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP / Instituto de Estudos da Linguagem-IEL,

É vivendo a vida com os textos, isto é, atuando e nos comunicando nos diferentes campos/ esferas de atividade pelas quais circulamos em nosso cotidiano – em casa, no trabalho, estudando, informando-nos por meio do jornalismo, consumindo, apreciando e fruindo obras de arte, divertindo-nos – que enunciamos e materializamos nossos textos orais, escritos e multimodais. Os gêneros de discurso nos servem nesses momentos, pois são as formas de dizer mais ou menos estáveis em nossa sociedade. Todos os cidadãos sabem o que são e reconhecem notícias, anúncios, bulas de remédio, cheques, livros didáticos, bilhetes etc.

Esses gêneros discursivos são nossos conhecidos e são reconhecidos tanto pela forma de composição dos textos a eles pertencentes como pelos temas e funções que viabilizam e o estilo de linguagem que permitem. Os textos pertencentes a um gênero é que possibilitam os discursos de um campo ou esfera social. Por exemplo, as notícias, os editoriais e comentários fazem circular os discursos e posições das mídias jornalísticas. Estes três elementos – forma composicional, tema e estilo – não são dissociáveis uns dos outros: os temas de um texto ou enunciado se realizam somente a partir de um certo estilo e de uma forma de composição específica.

O tema é mais que meramente o conteúdo, assunto ou tópico principal de um texto (ou conteúdo temático). O tema é o conteúdo enfocado com base em uma apreciação de valor, na avaliação, no acento valorativo que o locutor (falante ou autor) lhe dá. É o elemento mais importante do texto ou do enunciado: um texto é todo construído (composto e estilizado) para fazer ecoar um tema irrepetível em outras circunstâncias. O tema é o sentido de um dado texto/discurso tomado como um todo, “único e irrepetível”, justamente porque se encontra viabilizado pela apreciação de valor do locutor no momento de sua produção. É pelo tema que a ideologia circula.

A forma de composição e o estilo do texto vêm a serviço de fazer ecoar o tema daquele texto. O estilo são as escolhas linguísticas que fazemos para dizer o que queremos dizer (“vontade enunciativa”), para gerar o sentido desejado. Essas escolhas podem ser de léxico (vocabulário), estrutura frasal (sintaxe), registro linguístico (formal/informal, gírias) etc. Todos os aspectos da gramática estão envolvidos. E o que é a forma de composição? Ela é, pois, a organização e o acabamento do todo do enunciado, do texto como um todo. Está relacionada ao que a teoria textual chama de “estrutura” do texto, à progressão temática, à coerência e coesão do texto.

Seria muito interessante, para o desenvolvimento dos letramentos, que a escola tratasse dos textos orais, escritos e multimodais em compreensão e produção como exemplares de gêneros discursivos, dando prioridade máxima aos temas que fazem ecoar por meio de seus processos estilísticos e de sua composição, ao invés de tratá-los como faz, como gêneros textuais, enfocando a análise de sua forma e de seu estilo por si mesmos.


Verbetes associados: Coerência textual, Coesão textual, Esferas ou campos de atividade humana, Gêneros e tipos textuais, Letramento, Sequências textuais, Texto, Textos multimodais


Referências bibliográficas:
BAKHTIN, M. M. (VOLOCHINOV). Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo, SP: Hucitec, 1981 (1929).
BAKHTIN, M. M. Os gêneros do discurso. In: _____. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003 (1979). p. 261-306.

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