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Signo linguístico

Autor: Rodolfo Ilari,

Instituição: Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP / Instituto de Estudos da Linguagem-IEL,

Quando encontramos fumaça na rodovia e concluímos que há um incêndio, podemos dizer que a fumaça “está pelo” fogo. Quando reconhecemos um amigo numa foto, a imagem na foto “está pelo” amigo. Quando o caixa do bar nos diz “Dois cafezinhos, cinco reais”, sua fala remete ao café que vamos tomar e a uma quantia de dinheiro a ser paga. Em todos esses casos uma coisa leva a outra, mas o fundamento desse “levar a” é diferente em cada caso.

Passamos da fumaça ao fogo porque as duas coisas costumam vir juntas. No caso da foto, o que leva da imagem à pessoa é a semelhança entre ambas. No caso da fala do bar, não há nem proximidade nem semelhança entre o café e o dinheiro e as palavras que os descrevem; as palavras remetem às coisas por uma espécie de acordo que vale entre falantes da mesma língua.  A essas três “relações sígnicas” foram dados, respectivamente, os nomes de índice, ícone e signo.

Por não haver proximidade nem semelhança entre as palavras e as coisas às quais elas remetem, diz-se que os signos linguísticos são arbitrários. Para confirmar essa arbitrariedade, basta ver como diferentes línguas falam das mesmas coisas: em vez de pão e leite, um sueco diz brot e mjölk, um húngaro diz keniér e tej, e assim por diante. Não vale objetar que toda língua tem onomatopeias, isto é, palavras que evocam a realidade física por seu som – em português do Brasil, por exemplo, certos nomes de pássaros como bem-te-vi, o-fogo-apagou ou (galinha) três-potes lembram a voz do próprio animal, e nomes como tiquetaque ou toquetoque conseguem imitar o relógio ou uma batida na porta. Isso porque as onomatopeias são minoria absoluta entre as palavras de qualquer língua e, além disso, línguas diferentes dão nomes diferentes ao mesmo ruído (a chuva, que para nós faz ploc-ploc, faz pitchi-pitchi ou patcha-patcha, para os japoneses).

Outra característica do signo linguístico é o que o criador da linguística moderna, Ferdinand de Saussure, chamou de valor. Trata-se do fato de que, embora todo signo junte um significante e um significado (por exemplo, a palavra árvore e o conceito de árvore), esse significante e esse significado não têm origem no mundo, mas são sempre o resultado da organização que a língua fez, ao mesmo tempo, do som e da realidade (física ou mental). Línguas diferentes correspondem a organizações também diferentes do mundo. Assim, nas línguas nórdicas, quem fala do avô precisa dizer se se trata do avô materno ou paterno (morfar ou farfar, em sueco), uma distinção que o português não exige. Línguas diferentes também correspondem a diferentes organizações dos sons. No Brasil, os cariocas e os gaúchos pronunciam de maneira diferente as palavras terra e tomate no que diz respeito às letras em negrito, sendo que essas diferenças “não servem” para distinguir palavras do português, mas há línguas que distinguem palavras usando precisamente esses “sons”, como, por exemplo, o italiano tingere (tingir) e cingere (coroar) e o espanhol  jamón (presunto) e Ramón (Raimundo). Observações como essas levaram Saussure a decidir que o signo não pode nunca ser pensado apenas como uma relação entre um objeto e um conceito, mas deve ser sempre contrastado com os demais signos da língua.

Historicamente, essas reflexões contribuíram para que os estudiosos tentassem descrever as línguas olhando para suas características internas e deixando de lado qualquer representação preconcebida. A autonomia da língua enquanto objeto de estudo tornou-se assim uma bandeira da chamada linguística estrutural. Embora a vaga estruturalista tenha passado há tempo, a ideia de querer ver a língua tal como ela é continua válida e deveria ser encampada por qualquer educador. Algumas das categorias que encontramos em nossas gramáticas tradicionais, como os comparativos e superlativos dos adjetivos, foram claramente importadas da gramática latina, dão destaque a certas construções e impedem de perceber outras, possivelmente mais interessantes, que a língua portuguesa desenvolveu ao longo dos últimos séculos. Neste e em outros casos, perguntar “como é que a língua portuguesa trata disso?” é um ótimo ponto de partida para um ensino aberto a descobertas.

Por outro lado, lembrar que línguas diferentes recortam o mundo de modos diferentes é um bom modo de acercar-se não só do ensino das línguas estrangeiras, mas também dos estágios passados do português. Até o fim do século XIX, a sociedade brasileira classificava os negros em crioulos e cativos, ladinos e boçais. Pouco conhecidas pelos falantes de hoje, essas classificações sacramentaram o destino (e frequentemente também a desgraça) de milhares de pessoas. Podemos dizer que a língua portuguesa punha então à disposição dos falantes uma outra organização das palavras e do mundo; chegar a essa organização é um modo de conhecermos nosso passado.


Verbetes associados: Campo semântico, Fonema, Léxico, Língua, Referente, Semântica, Sentido, significado e significação


Referências bibliográficas:
ILARI, R. O Estruturalismo linguístico, alguns caminhos. In: Mussalim, F. e Bentes, A.C. Introdução à Linguística: fundamentos metodológicos. São Paulo: Cortez, 2009.
SAUSSURE, F. de. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 1970.

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