< ir para página inicial

Pragmática

Autor: Rodolfo Ilari,

Instituição: Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP / Instituto de Estudos da Linguagem-IEL,

Entre as disciplinas que tratam da interpretação, a Pragmática é relativamente recente. Surgiu a partir dos trabalhos do filósofo americano Peter Grice, como reação à crença de que tudo fica explicado, na comunicação entre falantes, quando se dá uma boa interpretação do sentido das sentenças. Nos anos 1960, Grice perguntou-se por que uma frase como (1) “Ele tem boa caligrafia e nunca foi preso”, numa carta de recomendação para um professor universitário, significa (2) “ele não serve”, embora não diga nada de ruim a respeito do candidato. Para explicar esse fato, Grice mostrou que, no caminho entre (1) e (2), ocorre um raciocínio em que o receptor avalia o conteúdo de (1) como irrelevante na situação e, julgando que esse conteúdo é o melhor que se podia dizer do candidato, conclui que este é ruim. Articulando sua explicação, Grice esclareceu que a comunicação obedece a regras conversacionais que os interlocutores seguem mesmo quando têm opiniões diferentes sobre o assunto de que falam. Segundo essas regras, sempre se espera que os interlocutores deem informações completas, verdadeiras, relevantes e tanto quanto possível claras. Quando isso não acontece, o interlocutor avaliará o que foi dito e tentará ainda “salvar” a comunicação extraindo daquilo que foi dito um sentido relevante para a situação.

Essa explicação de Grice pôs em evidência um modo de construir sentidos até então pouco estudado e uma propriedade de enunciados que não tinha sido assunto dos estudiosos da significação até então – a de relevância. Mais amplamente, mostrou que, no intercâmbio linguístico, os falantes constroem interpretações até certo ponto imprevisíveis para as frases, num processo que envolve sempre os dois interlocutores. Essa última ideia permitiu recuperar uma concepção de pragmática mais antiga, devida a Charles Morris, um estudioso dos sistemas de significação. No início do século XX, Morris distinguiu três perspectivas possíveis para o estudo dos sistemas comunicativos: uma perspectiva sintática, na qual se pergunta como combinamos signos chegando a expressões bem formadas (em português, as palavras amarela, casa, esta e pintaram formam “pintaram esta casa amarela”, mas não “amarela esta pintaram casa”); uma perspectiva semântica, na qual se estuda, além disso, a relação entre os signos linguísticos e o mundo (a frase “o gato é um felino” tem por assunto uma certa classe de animais, aos quais se atribuem propriedades que os distinguem dos outros animais); e uma perspectiva pragmática, em que, além dos fenômenos sintáticos e semânticos, também se estuda como os interlocutores interagem entre si ao usar a linguagem.

Numa perspectiva pragmática, torna-se evidente que as mensagens linguísticas são construídas e interpretadas como parte de estratégias interacionais complexas, em que têm peso as representações que os falantes fazem uns dos outros, e da comunicação em curso. O modo como representamos o interlocutor nos leva, por exemplo, a escolher, entre várias formas de começar um novo assunto, e nos permite gerenciar de maneira mais eficaz a carga informativa e emotiva das nossas mensagens, encontrar palavras que não geram problemas de interpretação, entre outras possibilidades. Essa mesma representação orienta-nos no sentido de decidir se aquilo que nos foi dito era uma brincadeira, uma ironia, ou, simplesmente um disparate. A perspectiva pragmática ajuda-nos também a perceber que, além de comunicar e informar, a linguagem é o instrumento de inúmeras outras ações, por exemplo, a de persuadir ou a de levar nossos interlocutores a certos tipos de ação.

Em resumo, a perspectiva pragmática leva a entender as mensagens não só como a expressão de um conteúdo supostamente estável que independe da situação de comunicação, mas como um processo em que a situação é relevante e a criação de novos sentidos é sempre possível, a partir de um jogo de imagens em que os interlocutores se envolvem. Isso equivale a dizer que, no mundo real, as sentenças da língua têm sempre uma natureza dialógica.

Ao apontar para a natureza dialógica que as sentenças da língua têm no mundo real, a pragmática cobra uma pedagogia que valoriza a relação dos textos com o contexto e na qual se procura explicar o que os interlocutores fazem, mais do que formular com outras palavras o que dizem.  Entender a origem de um mal-entendido, explicitar o duplo sentido de uma frase, entre outros exemplos, são problemas pragmáticos típicos, e são também exercícios em que a pedagogia pode, ou melhor, deve investir, desde os primeiros anos do Ensino Fundamental.


Verbetes associados: Coerência pragmática, Coerência textual, Discurso, Enunciação / enunciado, Inferência na leitura, Interação verbal, Interpretação de leitura, Semântica, Sentido, significado e significação, Sintaxe, Texto,


Referências bibliográficas:
GRICE, P. Lógica e conversação. In: Marcelo Dascal, Fundamentos metodológicos da linguística, vol.IV (Pragmática), Campinas, SP: Edição do Autor, 1982, pp. 81-103.
LEVINSON, S. Pragmática. São Paulo: Livraria Editora WMF Martins Fontes, 2007.
ILARI, R. Semântica e Pragmática: duas formas de descrever e explicar os fenômenos da significação. In: Revista de Estudos da Linguagem [Belo Horizonte – MG], v. 9, n.1, p. 109-161, 2000.

< voltar