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Produção de textos escritos

Autor: Cancionila Janzkovski Cardoso, Maria da Graça Costa Val,

Instituição: Universidade Federal de Mato Grosso-UFMT – Rondonópolis / Departamento de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG / Faculdade de Letras / Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita-CEALE,

A partir da concepção de linguagem como discurso ou enunciação, o texto escrito pode ser definido como uma atividade de linguagem, sempre contextualizada, produto da enunciação humana, no qual se inscreve o contexto histórico, social e cultural.

A perspectiva interacionista sócio-discursiva de Bernard Schneuwly considera que a atividade de linguagem, na produção de textos, se desenvolve por meio de um conjunto de operações mentais, que são realizadas em três níveis ou instâncias: a) a criação de uma base de orientação; b) o planejamento do texto; c) a linearização. Esses três conjuntos de operação não ocorrem de modo linear nem estanque; no processo de produção espontâneo, eles podem ocorrer simultaneamente, um influenciando e modificando o outro. No ensino da escrita na escola, pode-se chamar atenção para cada um deles em especial, para levar o aprendiz a ter consciência das decisões que deve tomar e de como elas repercutem em seu texto.

A criação da base de orientação diz respeito às condições de produção. Nessa instância, o enunciador busca responder: que tipo de interação é essa? E, então, considerando o seu lugar social e o dos interlocutores, a finalidade e o conteúdo do discurso, define os parâmetros que vão orientá-lo no processo de escrita (o que tenho para dizer? para quem vou escrever? com que objetivo? em que circunstâncias? em que condições meu texto será lido?). Pode acontecer que a base criada inicialmente se modifique no decorrer do processo, se elementos novos vierem modificar a maneira de compreender a situação comunicativa.

A partir da compreensão das condições de produção, o enunciador planeja globalmente o seu texto, perguntando-se “como dizer?”. Nessa instância, define como organizar e inter-relacionar os conteúdos (o que tem a dizer) e que modelo de texto é adequado para a situação: que gênero discursivo e que tipo textual atendem seus objetivos e funcionam melhor naquela interação. 

A terceira instância é a da elaboração do texto propriamente dita. Trata-se de um conjunto de operações chamado por Bernard Schneuwly de linearização, porque se destinam a transformar em texto o que foi pensado. Ou seja, o que o enunciador tem para dizer (o tema e seus desdobramentos), sua compreensão da situação de interlocução, a decisão sobre o gênero e o tipo adequados devem ser “traduzidos” em texto. No entanto, a linguagem, falada e escrita, se manifesta linearmente: falamos e escrevemos uma palavra de cada vez, uma frase depois de outra frase, embora as ideias nos venham de maneira global. Assim, “botar o texto no papel” significa linearizar as decisões tomadas na criação da base de orientação e no planejamento global do texto. O enunciador se pergunta: como colocar em palavras, frases, parágrafos? E, ao mesmo tempo em que “lineariza”, não pode perder de vista o que planejou dizer, nem se esquecer de seu objetivo, seu interlocutor, das condições em que seu texto será lido. Na instância da linearização, o enunciador vai formular frases e parágrafos que devem estar conectados e articulados entre si, compondo um todo coeso e coerente, que é o texto.

Para o ensino, uma dificuldade é fazer as crianças perceberem as diferentes lógicas de funcionamento da enunciação oral e da enunciação escrita. A linguagem oral, em situações coloquiais, funciona em constante interação com os interlocutores e as condições de produção, possibilita o controle exterior e contínuo dos participantes do diálogo. Já a escrita, embora sempre dirigida a um leitor, exige um controle interior e global do enunciador, uma visão antecipativa do texto. O enunciador é o responsável pelo planejamento e pela elaboração do texto.

Mas o processo de produção não termina aí. Se o texto se vincula a uma base de orientação e a um planejamento, essas duas instâncias devem ser retomadas quando o produto está finalizado, para o enunciador avaliar a adequação de seu texto à situação comunicativa, a seus objetivos, ao gênero e ao tipo escolhidos, aos conteúdos planejados e sua organização. Essa avaliação vai orientar a reescrita. E, reescrito o texto, concluída sua versão final, ele deve ser encaminhado ao leitor previsto.

Cada uma das instâncias da produção – da criação da base de orientação até o envio do texto pronto para o leitor pretendido – pode ser destacada e trabalhada na sala de aula, para que o aluno entenda e domine o processo de escrita.


Verbetes associados: Coerência textual, Coesão textual, Condições de produção do texto, Enunciação / enunciado, Gêneros do discurso, Gêneros e tipos textuais, Oralidade e escrita , Reescrita, Situação comunicativa, Texto, Produção de textos


Referências bibliográficas:
CARDOSO, C. J. A socioconstrução do texto escrito: uma perspectiva longitudinal. Campinas-SP: Mercado de Letras, 2002.
BAKHTIN, M. (V. N. Volochinov). Marxismo e Filosofia da Linguagem. 5.ed. São Paulo: Hucitec, 1990.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 1.ed. Trad. do francês de Maria Ermantina Galvão Gomes Pereira. São Paulo: Martins e Fontes, 1992.
SCHNEUWLY, B. La construction sociale du language écrit chez l’enfant. In: SCHNEUWLY, B. et al. (orgs.). Vygotsky Aujourd’hui. Paris: Delachaux & Niestlé, Neuchâtel, 1985.

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